Descobertas Quae Sera



Isso não é latim. É só uma brincadeira. A descoberta ainda que tardia. A música é um processo de eterna descoberta e aprendizado. Por mais que já tenha gastado meus discos dos Beatles, volta e meio descubro algo novo. Um instrumento que passou despercebido, uma voz que não tinha ainda escutado e por aí vai. Duas descobertas que fiz recentemente, porém, não foram tão sutis: a obra de duas grandes bandas, The Doors e Legião Urbana.

Confesso que é deveras estranho eu ter demorado tanto para explorar essas duas bandas, em especial a Legião, que teve seu auge justamente nos meus anos de Brasília e era a banda mais influente da turma da minha idade. Talvez tenha sido radicalismo meu não ter dado mais crédito ao Renato Russo e Legião. Afinal, meu gosto sempre teve um viés para o instrumental, o que me fazia preferir, entre as nacionais, o Barão Vermelho ou os Engenheiros do Hawaii por conta da qualidade de seus instrumentistas. De fato, nesse quesito a Legião sempre ficou a desejar. Sinceramente, sempre achei - e continuo achando - o trio Renato/Dado/Marcelo instrumentistas bem fraquinhos. Talvez seja justamente essa mais uma razão da popularidade do grupo. Afinal, qualquer um que soubesse apenas acordes mais básicos podia tocar no violão suas músicas favoritas. Quem tem minha idade vai se lembrar das rodinhas de violão na escola, onde a Legião era quem predominava.

As razões do sucesso da Legião, porém, vão muito além da facilidade de tocar suas músicas. A atualidade e temática das músicas e letras cruas e diretas - ao melhor estilo punk, influência nítida nos primeiros discos - tocaram a alma do adolescente dos anos 80 e 90 e banda conseguiu se tornar um canal de expressão e desabafo de uma geração. Mais rock’n’roll do que isso é impossível. Hoje, felizmente, consigo ver que a força da Legião estava muito acima do instrumental e que há uma mensagem poderosa nas músicas e na interpretação do Renato Russo.

Aliás, falando em Renato Russo, não disse nada ainda do The Doors, que citei logo no começo. O pouco que conhecia e tinha ouvido de The Doors foi muito em função da mística em torno do seu vocalista Jim Morrison e creio que esse é um ponto comum entre as duas bandas: tinham líderes que de certa forma eclipsaram os demais membros. A minha descoberta recente do Doors me mostrou que a banda era mais do que Jim Morrison. Tive a sorte de achar em uma banca de promoções uma mini-caixa com toda a discografia do The Doors com o Jim Morrison no vocal (seis álbuns) e estou ouvindo com muito cuidado e atenção. Essa audição revelou um grupo bem entrosado e com uma “cama” fantástica para os vocais de Morrison, no instrumental vigoroso de Ray Manzarek (teclados), Robby Krieger (guitarra) e John Densmore (bateria). Destaque para Krieger, por ser um dos principais autores das músicas, e para Manzarek, cujo teclado - como se vê na famosa introdução de Light My Fire - é uma parte indissociável do som da banda.

Outra triste característica comum das duas bandas foi a partida prematura dos seus líderes e a mística criada em torno deles. A carreira apagada dos membros restantes após a perda dos vocalistas evidencia a importância de Renato Russo e Jim Morrison. O primeiro até teve uma carreira solo - ainda que curta - de certo sucesso, coisa que os demais nunca lograram em obter e vivem de certa forma na sombra da Legião até hoje.

Ainda que tardia, esses descobertas têm sido extremamente divertidas e recompensadoras. É sempre bom ouvir com a devida atenção o trabalho de grandes grupos que fizeram história e entender o porquê de tanto sucesso. As duas bandas deixaram uma discografia relativamente curta mas excepcional e a intensidade de suas músicas são um excelente retrato de períodos distintos (fim dos 60 e começo dos 70, no caso dos Doors, e anos 80 e 90 para o Legião). Não tem como não gostar.

P.S.: como já tem muita gente comentando o tributo ao Renato Russo pelo seus companheiros de banda e Wagner Moura, não vou discutir o assunto. Só digo que o Renato deve ter se revirado em seu túmulo com as desafinadas do Wagner Moura.

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