Mais um bom lançamento: AR
Comentei recentemente que a virada do ano trouxe bons lançamentos. No
fim de 2015 a dupla Almir Sater e Renato Teixeira colocou nas
prateleiras o ótimo “AR”, selando em um álbum uma parceria de muitos
anos. A dupla pode ser considerada uma das últimas linhas de defesa da
chamada música caipira e que resistiu às diversas transformações (ou
deformações?) pelas quais o estilo passou desde os anos 90. Em comum os
dois artistas carregam uma característica importante: foram
responsáveis, em momentos diferentes, por lembrar ao Brasil que existe
uma música bonita e profunda que vem do interior e canta as belezas da
terra, a luta diária do sertanejo e a integração desse com a natureza.
Renato Teixeira foi revelado nos anos 70, com o apoio de Elis Regina e
sua antológica interpretação de “Romaria”, integrando a temática
caipira à chamada MPB. Almir Sater, por sua vez, apareceu em festivais
nos anos 80, mas teve sua música levada ao grande público através das
suas atuações em novelas. Violeiro virtuoso, levou seu instrumento para a
telinha e é creditado como um dos responsáveis pelo renascimento da
viola caipira, ao despertar o interesse em vários jovens, que foram
atrás de professores para aprender, como relata o violeiro Ivan Vilela
no ótimo livro “Cantando a Própria História: Música Caipira e
Enraizamento”.
A dupla se conhece de longa data e a parceria já rendeu clássicos
como “Tocando em frente”. Porém, ainda não haviam lançado um disco
juntos. E “AR” foi gestado lentamente, com composições acumuladas ao
longo de 6 anos, até que resolveram dar forma final ao trabalho.
Curiosamente, quem “costurou” o disco foi o respeitado produtor
norte-americano Eric Silver, como os artistas revelaram em entrevista ao
crítico Júlio Maria, do Estadão. Eric Silver é um nome reconhecido no
meio Country nos Estados Unidos e por conta disso trouxe para esse
trabalho uma sonoridade interessante, fazendo uma bem-vinda fusão
daquele estilo com o som de Almir e Renato. E falando em fusão, talvez
seja essa a palavra que melhor define o clima de “AR”. Renato e Almir
fizeram um disco que passeia pelo caipira, pelo folk e vai até outras
bandas mais distantes.
As temáticas da roça estão presentes em músicas como “Espelho
d’água”, “Peixe frito” e “Noite dos sinos”. Esta última, aliás, ilustra
bem o que eu falo de fusão. É uma música cujo tema é a Folia de Reis,
uma das grandes manifestações caipiras, mas cuja sonoridade poderia ter
saído muito bem de um disco de Crosby, Still, Nash & Young. A faixa
“Bicho feio”, por sua vez, fala de lendas do nosso folclore, como o Saci
e o Curupira, sobre uma base que remete à música celta, também
conhecida por falar de criaturas fantásticas. Ainda sobre estilos, a
faixa que abre o disco, “D de destino” tem um pé no folk – cujo nome diz
respeito às suas origens folclóricas – e que faz lembrar o som que no
Brasil ficou conhecido nos anos 70 como “rock rural”, que teve como
expoente o trio Sá, Rodrix & Guarabira.
Falando de letras, essas merecem elogios à
parte. A tônica do disco são canções bem intimistas e confessionais.
Daquelas que dão a sensação de que os artistas estão abrindo o coração,
como nas faixas “A primeira vez”, “A flor que a gente assopra” ou “Amor
leva eu”. Seria uma influência de Renato Teixeira nas letras? Talvez, se
lembrarmos outras do artista, como “Amora” ou seu clássico “Romaria”.
De fato, é um disco que valoriza a canção e suas belas letras, de modo
que Almir Sater, um violeiro genial, botou sua viola a serviço das bases
e abriu mão de desfilar suas habilidades em solos.
“AR” pode até não ser considerado um disco inovador, mas a
criatividade dos artistas andou em alta. Seja na mistura de estilos,
seja na qualidade das letras, Renato e Almir fizeram um registro de
primeiríssima. O toque do produtor Eric Silver trouxe um tempero extra
que fez diferença no resultado, mostrando que em música sempre é
saudável abandonar purismos e buscar influências em outras águas.
Audição mais do que recomendada, para lembrar que a música brasileira
ainda anda muito bem.
(Publicado no Jornal das Lajes, Abril/2016)
(Publicado no Jornal das Lajes, Abril/2016)
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