Trilha Sonora

Apesar do título, não vou falar sobre a própria coluna, mas sim sobre trilhas sonoras. O que inspirou o nome da coluna foi pensar em trilha sonora como o pano de fundo musical sobre o qual se desenrola uma história, seja em um filme ou novela. Música e imagem andam juntas desde os tempos do cinema mudo, quando um piano ou orquestra eram executados ao vivo durante a exibição dos filmes. O primeiro filme falado “O Cantor de Jazz” tinha como trama um jovem que queria ser cantor e o estilo musical domina a película. Em outras palavras, a trilha sonora anda junto com o cinema e a televisão desde sempre, ora como fundo, ora no primeiro plano.

Alguém sempre irá se lembrar de trilhas de cinema, como as escritas pelos geniais Bernard Herrmann – criador da arrepiante orquestração de cordas para “Psicose” de Alfred Hitchcock – ou John Williams, que escreveu as trilhas originais de clássicos como “Guerra nas Estrelas” e “Super Homem”. Também fica na memória a seleção de músicas de filmes como “Forrest Gump” ou “Pulp Fiction”. Aqui no Brasil podemos lembrar de compositores de trilhas originais como Jaques Morelenbaum e David Tygel, do Boca Livre. Em termos de músicas selecionadas, é impossível esquecer a trilha de algumas novelas, como Roque Santeiro, que reuniu clássicos como “Dona”, “De volta para o aconchego” e “Vitoriosa”. Naquele ano o volume 1 da trilha da novela vendeu meio milhão de discos.

O mais curioso é saber que a inspiração para a criação de trilhas sonoras de novelas veio do México. O experiente executivo Andre Midani, após passar alguns anos dirigindo a unidade mexicana da gravadora Capitol, ao retornar ao Brasil e perceber a popularidade das novelas, propôs à Globo criar uma trilha dedicada para a novela “Véu de Noiva” (1969), com temas para os principais personagens. No projeto, que ficou a cargo de Nelson Motta, aproveitaram-se algumas músicas que estavam para ser lançadas, como a versão de Chico Buarque e Vinícius de Moraes para “Gente humilde” de Garoto. Ao ouvir a bela canção “Irene” de Caetano Veloso, Nelson convenceu a autora da novela, Janete Clair, a trocar o nome da personagem de Betty Faria, que se chamaria Lúcia, para Irene. O casamento música-personagem foi um sucesso e o disco foi um dos mais vendidos do ano. Depois de um ano de parceria com a Phillips, a Globo viu a oportunidade e criou sua própria gravadora, a Som Livre, para explorar esse mercado.

Em tempos de música de qualidade questionável na telinha, fui surpreendido pela ótima trilha da novela “Velho Chico”. Desde a abertura, com uma regravação do próprio Caetano de “Tropicália”, até alguns resgates de artistas que passam longe do circuito comercial como Tom Zé, que vem com “Senhor cidadão” e mais duas músicas. Ainda estão presentes figuras carimbadas como Alceu Valença, Novos Baianos, Gal Costa, Geraldo Azevedo, Marisa Monte, Geraldo Vandré e outros medalhões. Também se abriu espaço para nomes menos conhecidos do grande público, como Ná Ozzetti e Zé Miguel Wisnik, que emplacaram a belíssima “A olhos nus” do ótimo disco “Ná e Zé” (guardem o nome desse disco, é recomendadíssimo). Estão presentes também alguns nomes da chamada “nova MPB”, como Marcelo Jeneci e Tiê. Resumindo, um elenco e repertório surpreendentes para um espaço de tamanha visibilidade como uma novela das nove.

É uma vitória para a música, mas ainda assim cabe uma crítica pela falta de renovação. Como citei acima, reuniu-se um elenco “galáctico”, deixando pouco espaço para uma nova geração sobre a qual tenho falado sempre. Mesmo um ótimo representante dessa turma nova como Marcelo Jeneci, com um trabalho autoral consolidado, apareceu somente com uma regravação do clássico “Veja Margarida”. E é até de se estranhar que um clássico definitivo como “Tropicália” precisou ser regravado sabe-se lá por qual critério estético. Enfim, podia ser melhor, mas não deixa de ser um progresso. Em tempos nos quais a cultura é considerada gasto supérfluo e artista é tratado como vagabundo, vale uma comemoração.

(Publicado no Jornal das Lajes, junho/2016)

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