Veias que continuam abertas


Terminei de ler um clássico que recomendo muito: As Veias Abertas da América Latina, do uruguaio Eduardo Galeano. O seu tema central é situação de pobreza e exploração da América Latina e, para entender suas origens, Galeano faz uma revisão da colonização, independência e crescimento da região para explicar o subdesenvolvimento atrelado ao longo histórico de dependência e subserviência às potências estrangeiras.

Uma das teses propostas é de que o desequilíbrio social da região tem suas origens na colonização. Foi formada, então, uma elite dominante que prosperou com uma política essencialmente extrativista e baseada na exploração de uma mão-de-obra escrava ou semi-escrava, o que sufocou qualquer iniciativa de se investir em uma manufatura local. Além disso, as trocas comerciais de matéria prima por produtos de maior valor agregado vindos da Europa – Inglaterra, principalmente – e dos Estados Unidos, posteriormente, somente acentuaram a dependência externa.

Às potências dominantes só interessava a manutenção de uma elite subserviente nos países latino-americanos, para garantir seus interesses e manter a relação de dominação. Um ponto alto do livro é a correlação que faz o autor entre o surgimento de governos de cunho nacionalista ou socialista e o subsequente golpe de estado patrocinado pelos Estados Unidos. Sob o pretexto padrão da luta contra o “comunismo”, o resultado era sempre a instalação e manutenção de uma ditadura sangrenta para zelar com mão de ferro pelos interesses das potências dominantes.

Pelo fato de ter sido publicado em 1971, a obra pode ser taxada de desatualizada. Atualmente, alguns historiadores estão, de fato, propondo teorias que contestam aquelas de autores clássicos como Celso Furtado – fonte constantemente citada por Galeano – ressaltando o papel de empreendedores na formação econômica da América Latina. Além disso, o autor deixa claro em todo o livro que não é historiador e muito menos um acadêmico e, sim, um jornalista. Compensa essa falta, porém, com uma pesquisa primorosa e citações fundamentadas em fontes confiáveis. Finalmente, o autor possui um viés marxista e, na época, os ventos da revolução cubana que ainda sopravam eram um alento para uma esperança de mudança que não viria a se realizar.

O momento atual, porém, nos leva a refletir se de fato algumas veias não continuam abertas. Todo o desenvolvimento econômico ainda não foi capaz de eliminar bolsões de pobreza na região, do México à Terra do Fogo e, olhando para o nosso país, vemos que, apesar de progressos recentes, ainda temos um longo caminho à frente. Recursos naturais abundantes, como o gás boliviano ou o petróleo venezuelano e equatoriano, não foram suficientes para melhorar o nível de vida de populações que vivem na pobreza. Do Haiti vem outro exemplo de como um país que viveu por anos sob uma ditadura apoiada pelos Estados Unidos (ou sob ocupação direta do mesmo) e cujo resultado foi a miséria total ante uma pequena elite milionária.

Dessa forma, vejo que a leitura de “As veias” ainda permanece bastante relevante e é uma fonte preciosa para se analisar os dias de hoje e, talvez, entender a recente ascensão das esquerdas em boa parte da região. Essa ligação entre o passado e os novos tempos possivelmente forneça material para uma atualização do tema do livro. Alguém se habilita a fazê-la? Estaria aí algo útil e interessante a ser feito.

(Texto publicado no Jornal das Lajes, Dezembro/2010)

Comentários

  1. Bom texto, Coronel!
    Li o livro há um bom tempo e ainda considero-o atual. Recentemente terminei o 1808 do Laurentino Gomes. É também ótima leitura para entender um pouco da balburdia que se tornou o país com o modelo imperial português de administração. Em contrapartida, o crescimento que o país teve nessa época não teria sido o mesmo.
    Vale a pena a leitura.
    Over!

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