Atemporalidade da música e a temporalidade do artista

Há alguns dias assisti a um ótimo show do Lô Borges.  Não poderiam faltar os clássicos como “Paisagem da Janela”, “Nuvem Cigana” e outras tantas que o consagraram. Lô Borges, porém, intercalou algumas músicas dos últimos discos, o que foi uma grata surpresa pra mim, pois conhecia pouco do que rolou. O público cantou junto as “das antigas”, mas sempre dava uma esfriada nas mais novas por serem menos conhecidas. E foi justamente isso que me fez pensar sobre o tempo das músicas e do artista e como aquelas parecem perdurar mais do que seus próprios autores e intérpretes.

Creio que nós temos uma queda pela nostalgia, muitas vezes valorizando demais o passado e sem prestar atenção no que está acontecendo agora. E com música não é diferente. Parece que paramos em determinado momento e não damos chance para coisas novas. Sejam elas vindas de novos artistas ou dos antigos, como se Chico Buarque tivesse parado em Roda Viva ou o Paul McCartney ainda tocasse com os Beatles. Mea culpa, ainda estou para comprar os últimos discos do Lô Borges e conhecer mais as músicas que me impressionaram no show.

Sobre os artistas consagrados, parece que criamos uma expectativa cruel e injusta em função do que eles fizeram no passado. A verdade é que grandes músicos ou grupos não lideraram mais de um movimento de mudança. Beatles, Tom Jobim e João Gilberto, Black Sabbath, Caetano e Gil, Milton e Lô Borges e tantos outros tiveram somente um momento de ruptura e inovação. Exceção, talvez, para Miles Davis, que esteve na vanguarda dos grandes movimentos do jazz no século XX. Quem se lembrar de outro que me ajude, por favor. Aqueles grandes momentos, porém, não diminuem o que vem depois e inúmeros trabalhos dos artistas citados demonstram que álbuns não precisam ser o Sergeant Pepper’s para serem bons.

Quanto aos novos artistas, há quem diga que nos dias de hoje não se produz mais algo que preste. A afirmação, infelizmente, tem um fundo de verdade. Ameaçados pela pirataria e downloads gratuitos na internet, as grandes gravadoras têm investido somente em trabalhos de forte apelo comercial – e de qualidade às vezes duvidosa – para ter retorno garantido. Por outro lado, a mesma internet abriu múltiplos caminhos de divulgação e é justamente lá onde estão os trabalhos bons da turma nova. Esqueçam o rádio ou televisão e saiam à busca na internet. Uma excelente sugestão é a rede social MySpace, muito usada por artistas independentes, brasileiros e estrangeiros.

Então talvez seja hora de rompermos com essas barreiras do tempo. Trazer para o tempo de hoje aqueles artistas do passado e se surpreender com a qualidade do seu trabalho atual. Ao mesmo tempo, permitir aos novos artistas escreverem seu nome no tempo. Quem for bom vai imprimir suas letras e partituras nas páginas atemporais da música. A verdade é que nem Caetano estacionou na Tropicália e nem a fonte de bons artistas está seca. Só não espere achar o novo em trilhas batidas. A propósito, o último disco do Chico é excelente.



(Publicado no Jornal das Lajes, Jul/2012)

Comentários

  1. Mais uma boa análise sua, sempre no ponto certo com seu texto elegante e descomplicado. É um tema que vira e mexe a gente pensa sobre. Pra dar mais um caldo, algo que penso em relação a artistas consagrados que já tiveram seu momento de ruptura é que alguns sabem envelhecer, outros nem tanto. Chico, comedido nos lançamentos, solta coisas relevantes de tantos em tantos anos. Caetano de repente poderia ser mais moderado. Esse Zii e Zie dele, tão badalado, pra mim tem muito auto-plágio, embora embalado por arranjos "indie", "descolados", o que for. O Lô acho que faz muita força para conquistar o público jovem, se aproximando de parceiros fracos e de uma sonoridade "juvenil". Curioso pois o cara com menos de 25 fazia uma música mais madura do que a que faz atualmente. Desses últimos discos procure o Harmonia, que o único que vale o trabalho de baixar. P.S. Um cara que pra mim é um eterno inovador, é o Hermeto Pascoal. Mas a liderança dele é sem alarde, ele não rompe, ele simplesmente não toma conhecimento dos limites.

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