O “Disco do Tênis”
Para comemorar o aniversário e resgatar esse importante disco da música brasileira, o músico e compositor – e profundo conhecedor da música do Clube da Esquina – Pablo Castro convenceu Lô Borges a lançar um show executando o álbum na íntegra e com seus arranjos originais. Diga-se de passagem, foi a sua primeira execução ao vivo, pois Lô Borges, como mostrarei mais abaixo, nunca fez uma turnê do disco e se afastou da música por um tempo após o seu lançamento em 1972. Assim, antes de falar do show, é preciso contar um pouco dessa história.
Lô Borges havia acabado de gravar seu primeiro disco, o “Clube da Esquina”, no qual assinou oito canções em uma verdadeira seleção de obras-primas que inclui, entre outras, “Nuvem Cigana” e “O Trem Azul”. A gravadora Odeon apostou as fichas no seu talento e assinou com Lô Borges um disco solo, para sair na sequência. O compositor tinha, porém, pouca bagagem e estava, literalmente, com o baú de composições vazio. Entretanto topou o desafio e gravou o “Disco do Tênis” em um ritmo frenético. Com o estúdio já agendado, a rotina era pesada, como ele descreve no seu depoimento ao site Museu Clube da Esquina: “é um disco que eu fiz sob pressão. [...] Eu não tinha as músicas para fazer o disco, então eu compunha a música de manhã, o Márcio Borges fazia a letra à tarde e à noite eu ia para o estúdio e botava na roda para os músicos fazerem os arranjos comigo”. Durante o show, ele contou que teve música para a qual ele mesmo foi obrigado a fazer a letra momentos antes de entrar em estúdio, por não ter um letrista disponível.
Após o lançamento, Lô Borges estava esgotado e resolveu se afastar do mundo da música e shows para amadurecer como compositor. O resultado foi um hiato entre o “Disco do Tênis” e o seguinte, “Via Láctea”, que saiu somente em 1979. Além disso, o “Tênis” ficou sem uma turnê de divulgação, o que foi um dos motes para o resgate proposto por Pablo Castro, ao recrutar a banda e dirigir o show. Esse resgate foi mais do que oportuno, não só pela qualidade artística de um grande disco, mas também pelo seu valor histórico. O álbum é um retrato do nascimento e consolidação do Clube da Esquina como um movimento musical que revolucionou a música brasileira com suas harmonias inusitadas, novas temáticas de canções e a fusão da MPB com influências como o rock dos Beatles.
O resultado foi um show que fez justiça ao disco pela fidelidade aos arranjos originais. E isso por si só é um desafio e tanto pela complexidade das composições de Lô Borges, que combinam harmonias não tradicionais e melodias nada triviais. Além disso, o músico aproveitou todo o show para contar histórias sobre a composição e gravação de várias músicas, o que deu um ar de uma audição guiada bastante rica, não só pela contextualização das mesmas, mas também por algumas histórias divertidas. É legal ver que a resposta do público foi positiva pela agenda que envolveu várias cidades e pelo ótimo clima no dia do show, quando assisti ao último do ano no fim de dezembro, em São Paulo. Espera-se que o projeto não pare por aí e continue levando esse trabalho, acompanhado da venda do disco em vinil, por esse nosso Brasil, carente de conhecer a história da MPB e seus grandes artistas.
E o disco em si? É assunto para ser retomado em outra coluna, mas fica o convite para o leitor buscar na internet ou plataformas de streaming e descobrir um excelente álbum que mostra o quanto o Clube da Esquina foi inovador e renovador dentro da música brasileira.
(Aproveito para agradecer ao amigo historiador e pesquisador de música popular Luiz Henrique Garcia pela indicação de material de leitura para esse artigo. Para quem curte música, sempre indico visitar o seu blog, o Massa Crítica Música Popular para leituras de qualidade).
(Publicado no Jornal das Lajes, janeiro/2018)
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