“Os óculos do John ou o olhar do Paul?”*


Em tempos de volta do Paul McCartney ao Brasil é sempre oportuno escrever sobre os Beatles. Porém, para mim é sempre complicado falar sobre eles. Primeiro pelo respeito que tenho aos meus ídolos musicais maiores e, segundo, pelo medo de ficar “chovendo no molhado”. Talvez alguém já tenha chegado à mesma conclusão sobre o que eu vou falar abaixo, mas, registre-se, não é plágio. Recentemente, ouvindo o álbum Revolver, percebi que ele é uma verdadeira aula sobre quem são os Beatles, o que eles se tornaram e o que foi a dupla John Lennon e Paul McCartney.

O Revolver é um álbum marcante, mas, por razões que não entendo, com poucas músicas conhecidas do público que ouviu Beatles em coletâneas – os não iniciados na beatlemania. Talvez tenha sido eclipsado pelo álbum que se seguiu, o mítico Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band e, por isso, é pouco lembrado. Acho, porém, que as sementes do Sergeant Pepper’s já estavam plantadas no Revolver. O álbum foi gravado na época em que os Beatles, cansados da histeria da beatlemania, abandonaram o palco e investiram na criação em estúdio. Além disso, foi um mergulho de cabeça em algumas coisas que marcariam os anos seguintes: a influência indiana, drogas e a psicodelia, o que faz do álbum um verdadeiro prelúdio para o Sergeant Pepper’s. Além desses fatores, o álbum se presta a uma bela audição didática, tal como disse acima.

John Lennon e Paul McCartney quando trabalhavam juntos faziam suas músicas soarem com uma unidade incrível, como se fossem compostas por um terceiro músico. Separadamente, porém, cada um era um universo musical e talvez a força dos Beatles venha daí. John era mais rock, no sentido amplo da palavra: contestador, enérgico e guitarra na veia. Paul é mais melódico: melodias suaves, arranjos sofisticados e lirismo. E pra provar isso basta ouvir faixa após faixa do Revolver. A primeira de Paul é “Eleanor Rigby”, que traz um arranjo de cordas lindíssimo. Tal como em “Yesterday”, a base rock – bateria, baixo e guitarra – ficou de fora. Na sequência vem “I Am Only Sleeping” de John e a pegada rock deixa evidente o contraste de estilos.

Logo depois vem “Here, There and Everywhere” – precedida por “Love You Too” de George Harrison, sobre quem falarei abaixo – e o lirismo de Paul fica evidente nessa música belíssima, que é doce sem ser açucarada. Na sequência vem “She Said She Said”, no qual logo se reconhece o estilo de John. Em seguida, em “Good Day Sunshine” Paul mostra que também bebe na fonte do rock, mas traz algo com elementos do jazz vocal dos anos 50. De fato, em 2012, Paul mostrou com o seu álbum “Kisses on the Bottom” que sempre foi influenciado por esse estilo de música. E John volta a carga com “And Your Bird Can Sing”, cujo solo de guitarra na abertura dá a levada da música. E mais contraste: em “For no One” Paul traz mais uma vez instrumentos clássicos para o estúdio. E assim vão se sucedendo: John vem com “Doctor Roberts”, Paul com a vibrante “Got to Get You Into My Life” e – o grand finale – a viagem lisérgica de “Tomorrow Never Knows”. Não há jeito mais fácil e rápido de entender quem são Paul e John e como a soma de seus estilos definiu os Beatles.

E George Harrison? Para conhecê-lo, o Revolver também é essencial. A meu ver, foi o álbum que revelou George como um compositor amadurecido, dando uma boa dica das grandes composições que viriam nos álbuns seguintes, como “Piggies” ou suas emblemáticas “Something” e “Here Comes the Sun”. Ao contrário da maioria dos discos dos Beatles onde George mostrava apenas duas músicas, em Revolver ele emplaca três: “Taxman”, “I Want to Tell You” e “Love You Too”, essa última marcada pela influência indiana. Por fim, vale lembrar que Ringo Starr também ficaria marcado por esse álbum, ainda que algum tempo depois: é ele quem canta a clássica “Yellow Submarine”, que viria a ser o tema da famosa animação.

Por tudo isso, a audição de Revolver é mais do que recomendada para quem quer conhecer melhor os Beatles. O álbum revela o amadurecimento musical do quarteto, que largou para trás os terninhos e canções inocentes para fazer música séria, investindo em arranjos cada vez mais complexos e nas experimentações que o estúdio e o talento do produtor George Martin permitiam. Na sequência de Revolver viria o Sergeant Pepper’s e o conceito de disco de rock nunca mais seria o mesmo, mas essa história fica para outro dia.



*Para este título não resisti à tentação de tomar emprestado o trecho de “O Papa é Pop”, de Humberto Gessinger.

(Publicado no Jornal das Lajes, maio/2013)

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