O prazer de ouvir um disco
Certo dia lembrava com amigos como era ouvir um disco nos tempos do vinil. Não era fácil e era um trabalhão: tira da capa, coloca no toca-discos, posiciona a agulha. E depois de ouvir um lado, vira o disco e ouve o outro. Não vou dar uma de saudosista e louvar o “bolachão”, o chiado, as capas e tudo mais – apesar de que o formato CD empobreceu a capa do Sergeant Pepper’s ou o encarte do Álbum Branco dos Beatles. Gosto de CD e de mp3 pela praticidade e facilidade de ouvir o que quero e onde quero.
Porém, há pouco tempo percebi que justamente essa praticidade matou um dos grandes prazeres da música. Explico, voltando aos passos acima: capa, toca-discos, agulha e vira o disco. E o prazer está justamente em ouvir o disco inteiro. É quando você entende a unidade do álbum, reflexo de um momento e época pela qual passava o artista ou banda. Os grandes álbuns foram especiais não só pelas grandes músicas, mas pela coesão das mesmas, pela história contada e por catalisar momentos, experiências e transformações.
Há pouco tempo ganhei o livro “1001 Discos para ouvir antes de morrer” e, passeando pelas resenhas, comecei a me tocar do quão mais interessante é ouvir um disco inteiro, na sequência, do que somente ouvir coletâneas ou montes de mp3 do mesmo artista. Listo alguns desses álbuns que estou aos poucos resgatando:
- Rolling Stones: Exile on Main Street.
- Crosby, Still, Nash & Young: Déjà Vu.
- Eric Clapton: Layla.
- Bob Dylan: The Freewhellin’ Bob Dylan.
- Milton Nascimento e Lô Borges: Clube da Esquina.
- Marisa Monte: Mais.
- Chico Buarque: Meus Caros Amigos
- Miles Davis: Kind Of Blue
E a lista vai longe. O mp3 simplificou muito as coisas: você leva no celular ou no player, copia em segundos (lembra como era gravar as fitas cassete?) e, principalmente, facilita o acesso a álbuns fora de catálogo, especialmente nesse nosso Brasil onde é muito difícil e caro conseguir determinados títulos. Porém, essa facilidade é perigosa quando banaliza as coisas. Chega aquele seu amigo lhe dizendo que tem no pen drive todos os discos do Led Zepellin ou do The Who. Você na hora copia tudo e vai juntando vários “gigas” de música que talvez nem venha a ouvir.
Uma boa chance para resgatar esse prazer de explorar um disco são as coleções há pouco lançadas nas bancas de grandes clássicos brasileiros. Tenho visto também promoções de obras de grandes nomes como Legião Urbana, Marisa Monte e Led Zepellin relançados a preços acessíveis, provavelmente numa tentativa de combater a pirataria. Que tal aproveitar?
Nos tempos atuais do sucesso – e esquecimento – instantâneo, a sensação que se tem é de que a criatividade – ou a vontade das gravadoras de incentivá-la – anda em baixa. Afinal, artistas que mal lançaram um álbum de estúdio já estão lançando o “ao vivo” ou “acústico” com quase as mesmas músicas e pouca renovação. Mais do mesmo. Então, gastar um tempo ouvindo aqueles considerados álbuns históricos é poder desfrutar de um momento onde a inventividade e o gênio humano foram iluminados e deixaram um legado capaz de resistir ao tempo.
Por fim, recomendo também a divertida leitura do “1001 Discos...” pois desperta a vontade de ir atrás desses álbuns clássicos e que não o são sem motivo.
(Texto publicado no Jornal das Lajes, Fevereiro/2011)
Assino embaixo. Tava hoje mesmo, depois de protelar a tarefa, ligando o toca-discos na aparelhagem toda aqui de casa. Trabalho mais do que recompensando pelo prazer de vasculhar e ouvir bons discos de vinil. Uma peculiaridade dessa experiência que exige um pouco mais de esforço do ouvinte é que muitas vezes começamos gostando de uma ou duas músicas e devagar vamos descobrindo a inteireza do álbum, e no final torna-se um prazer virar o disco do lado A para o lado B!
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