Avanços sociais no Brasil: a importância do Bolsa Família, o caminho percorrido e futuro


A eficiência demanda método e pesquisa. Sem isso, qualquer tarefa ou projeto minimamente complexo termina com pouco resultado, a menos que ocorra um milagre. Porém, em políticas públicas, milagres não existem. É o que mostra a ótima matéria publicada na edição 74 (Nov/2012) da Revista Piauí, sobre o economista Ricardo Paes de Barro, cujo trabalho e pesquisas forneceram o elemento que faltava para amarrar os diversos programas sociais sob o guarda-chuva único do Bolsa Família, o primeiro a trazer resultados expressivos na redução da pobreza e da desigualdade.

A matéria vale a leitura (pdf disponível NESSE LINK), pois conseguiu traduzir para leigos os fundamentos do trabalho de Paes de Barros, baseado em conceitos complexos de estatística e econometria, que apontaram a direção para se criar um programa eficiente de distribuição de renda. Paes de Barros se interessou pelo estudo da desigualdade e distribuição de renda no seu doutorado e dedicou boa parte dos seus estudos para entender os fatores envolvidos e o que poderia reverter o quadro brasileiro.

Tentando encurtar a história, pensava-se que o crescimento econômico traria junto emprego e melhores salários, logo, reduzindo a pobreza e desigualdade. Entretanto, veio o milagre econômico dos anos 70 e não foi isso que aconteceu. Naquele período o país cresceu a taxas “chinesas” (para falar a língua atual) e o que se verificou foi o aumento da desigualdade (menos pessoas concentrando mais renda).

Na época, dois estudos independentes apontaram duas causas relacionadas. A primeira seria a política salarial. Por muito tempo o governo concedeu reajustes ao salário mínimo abaixo da inflação, fazendo com que o mesmo perdesse o seu valor real.  Aliás, uma política conveniente a um governo patrocinado por grandes grupos empresariais. O segundo estudo, conduzido pelo economista Carlos Langoni (ex-presidente do Banco Central) chegou a uma explicação alternativa: ele conseguiu demonstrar a correlação positiva entre anos de estudo e renda, isto é, para cada ano a mais de estudo o cidadão tem um acréscimo na sua renda. A baixa disponibilidade de pessoal qualificado (técnicos, engenheiros, etc), combinada com a alta demanda por esses profissionais fez com que os salários subissem muito. Boa e velha lei da oferta e demanda. Assim, aprofundou-se o abismo entre pessoas com estudo e os sem.

Uma das medidas da desigualdade é o coeficiente de Gini. É um número entre 0 e 1 onde os extremos são situações teóricas: uma sociedade igualitária onde todos tem a mesma renda (Gini = 0) ou um país onde apenas uma única pessoa detém toda renda (Gini = 1). Assim, quanto mais próximo de zero, mais equilibrada é a distribuição de renda. Para fins de comparação, a tabela abaixo traz valores fornecidos pelo Banco Mundial.


Como se vê, países desenvolvidos (à exceção dos EUA), possuem o coeficiente entre 0.30 e 0.35. Países subdesenvolvidos variam entre 0.50 e 0.65. O Brasil viu o coeficiente saltar de 0.557 para 0.605 entre 1960 e 1970 e o índice ficou oscilando próximo a 0.60 até 2001, quando entrou em queda acelerada até 2009, atingindo um nível menor do que em 1960. A evolução pode ser vista no gráfico abaixo, com dados retirados do IPEA. Essa velocidade na redução no coeficiente de Gini - que foi acompanhada pela redução do número de pessoas na pobreza e pobreza extrema (ver gráficos abaixo) - nunca aconteceu em país nenhum do mundo.

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A oposição e incrédulos creditam a melhora social às boas condições da economia mundial entre 2002 e 2008. Porém, não é essa a conclusão de Paes de Barros e outros pesquisadores, que defendem que entre 10% e 15% da queda se devem ao Bolsa Família. O aumento do salário mínimo, com influência positiva naqueles que recebem menores salários e aposentados, responde por algo entre 20% e 30% dessa queda.

A oposição também enfia a mão pelos pés quando provoca debates errados. Argumentam que o Bolsa Família é a soma de vários programas existentes anteriormente, mas o que o artigo mostra é que essa descentralização foi uma das razões da ineficiência dos mesmos. Ou os programas não chegavam a quem realmente precisava ou, quando chegavam, era de forma tímida. Desta forma, o mérito inquestionável do governo Lula foi organizar os programas, seus cadastros, regras e, principalmente, sua metodologia de modo a conseguir resultados expressivos.

O caminho é longo. Como se vê na tabela de comparação do coeficiente de Gini, no ritmo atual ainda levaríamos uns 15 anos para chegarmos ao nível dos EUA, e que não são uma referência. É chegada a hora de deixar de lado discussões estéreis e partidárias e concentrar no debate do que ainda falta para uma sociedade que possa ser chamada de primeiro mundo.



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