Acumuladores digitais
Os tempos digitais trouxeram coisas boas. Muitos vão se
lembrar do quanto era demorado e custoso tirar e revelar fotos. Fora a raiva
que passávamos quando batíamos uma foto sem querer ou quando ela ficava ruim,
afinal só víamos o resultado dias depois. E filmar também era caro e trabalhoso
dado o tamanho das filmadoras VHS, que foram substituídas depois pelas de 8mm.
Menores, mais ainda bem maiores que as atuais e celulares. O advento das
máquinas digitais e celulares que fotografam e filmam democratizaram o acesso a
uma das melhores e mais divertidas formas de se guardar a memória, a fotografia
- e a filmagem, para quem gosta. Pra quem curte música nem precisa falar da
praticidade do MP3 em relação ao CD ou LP.
A facilidade traz um lado ruim: corremos o risco de nos
tornar acumuladores. Digitais no caso. Tiramos mais fotos e filmamos mais,
afinal, não custa nada, certo? Juntamos mais música, pois não ocupa espaço na
gaveta ou estante. Então pergunto: qual é o valor de se juntar fotos que não
vamos ver ou músicas que não vamos ouvir? Rever uma bela foto não tem preço,
mas, ainda assim, muitas vezes antes de sacar a máquina e preparar pra bater a
foto, penso se não é melhor simplesmente aproveitar o momento e curtir a vista.
E olha que sou apaixonado por fotografia. É uma escolha entre a memória de um
momento e uma foto que nem sempre transmite aquela emoção e que pode até ficar
ruim (tremida, luz ou foco inadequados e outras coisas que nem sempre
acertamos). Algumas vezes me arrependo por não ter tirado a foto, mas tudo bem.
Foi uma aposta perdida.
A opção acima é pessoal e não quero impor como certa. Quero
é protestar sobre quando a opção por acumular atrapalha os outros. Fico pasmo
de ver em shows hoje em dia a quantidade de pessoas com os celulares levantados
para filmar o show. Provavelmente para postar no Facebook ou Youtube e nunca
mais ver. Até porque provavelmente vai ficar muito ruim e com som quase
inaudível. E essa inutilidade toda às custas da visão de alguém que será
atrapalhado, às vezes por um longo período de tempo.
Outro dia em um museu vi outra forma de acumulação digital.
Fiquei impressionado com a quantidade de pessoas tirando fotos dos quadros ao
invés de admirá-los. Fotos sem tripés e que provavelmente sairão tremidas e mal
enquadradas, fora a chance de ter a foto avacalhada pelo trânsito de gente
dentro do museu, que estava bem cheio naquele dia. E ainda te olham com cara
ruim se você quer simplesmente parar próximo ao quadro e explorar seus detalhes,
atrapalhando a foto. O porém é que na loja do museu haviam livros com fotos do
acervo - fotos profissionais e com comentários sobre os quadros e autores. E o
museu também tinha um aplicativo onde se pode ver boa parte do acervo no
celular ou tablet. E ainda há o bom e gratuito Google Images onde conseguimos
imagens de alta resolução dos quadros mais famosos gratuitamente. Então pra
quer perder tempo fazendo uma foto que provavelmente será ruim e irá atrapalhar
alguém? E que talvez você só veja uma vez e nunca mais?
E pra terminar, um alerta sobre algo que poucos se preocupam
quando se fala de acumulação digital (de coisa boa ou não). Você se preocupa em
fazer cópia - ou cópias, no plural - de segurança? Discos rígidos pifam ou se
queimam com raios e computadores são roubados. E o que você faz para garantir
que não vai perder as fotos do seu filho quando bebê ou das férias
inesquecíveis?
P.S.: procurando uma imagem para esse post topei com esse texto divertido no site do The Guardian sobre boas razões para se filmar um show. Confira AQUI.
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