Versões e desconstruções
A música pop tem sido acometida por
diversos males nos últimos tempos, mas tem um que tem me incomodado bastante: a
quantidade de versões de músicas consagradas rolando por aí. Liga-se a rádio ou
TV e o que mais ouve (fora o ritmo do momento) são versões e regravações de
músicas conhecidas. A primeira sensação que se tem é que não se produz
mais coisas novas de qualidade, o que não é verdade. Em seguida, presta-se
atenção na versão e, na imensa maioria das vezes, constata-se que na verdade
está se ouvindo a mesma coisa, até com arranjos parecidos. Outras vezes sai-se
com a impressão de que é uma releitura mas que nada acrescenta ou, muitas
vezes, em nada se conecta com o espírito e letras originais.
Gostaria em primeiro lugar entender a lógica - ou falta de - da indústria fonográfica que fica requentando pratos que nada acrescentam. Depois queria saber qual é o sentido de se propor uma releitura que na melhor das hipóteses é mais do mesmo ou, caso pior, estragam um clássico. Não sou contra versões, muito pelo contrário. Há versões que algumas vezes superam a original e trazem vida nova.
Ouça por exemplo o clássico "All Along the Watchtower" no original do Bob Dylan e depois a versão magistral de Jimi Hendrix. Conto nos dedos quantas vezes eu ouço por aí a original. Dylan que me desculpe, mas a sensação é que Hendrix conseguiu dar a forma final ao trabalho.
A música original de Dylan
A versão definitiva de Jimi Hendrix
Se pensarmos em versões onde se muda a
língua, o desafio de se fazer algo relevante é maior ainda, mas possível. Haja
visto as interessantes releituras em português que a Rita Lee fez dos Beatles no
seu ótimo disco “Aqui, Ali, em Qualquer Lugar”, um tributo de fã apaixonada. Também
digna de nota é "Astronauta de Mármore", releitura de
"Starman" de David Bowie feita pelo Nenhum de Nós. É uma tradução bem
livre, sem muitos vínculos com a original, mas da qual saiu uma boa letra. A
versão foi elogiada pelo próprio Bowie, que inclusive cantou um trecho em uma
apresentação Brasil. Ainda sobre boas versões, faço uma pergunta: quem conhece
a versão original de "Twist and Shout"? Não, ela não é dos Beatles.
Quais outras boas releituras podem ser acrescentadas à lista?
Por fim, uma nota sobre a nova moda de
músicas de fundo e as pavorosas versões em ritmo de bossa nova ou cool jazz de
clássicos do rock. Há quem chame o estilo de "lounge", mas pra mim é
música de péssimo gosto. Pegam uma música porrada como "Brown Sugar"
- que resume a essência da trindade sexo-drogas-rock'n'roll - e colocam uma
mulher com voz de menina cantando em ritmo de bossa. Outro dia ouvi uma versão
dessas para "Smells Likes Teen Spirit" e imaginei Kurt Cobain se
revirando no túmulo com a descontrução de sua música emblemática. Faz me
lembrar da frase proferida certa vez no senado romano: “até quando vai abusar
da nossa paciência”?
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