Leituras musicais: o rock brasileiro nos anos 80

De tudo que andei lendo sobre música e resenhando por aqui, andava sentindo falta de algum livro que tratasse mais a fundo de um período interessante de nossa música, a dos anos 80. Foi quando o rock nacional desabrochou e revelou tantos nomes, uns notáveis e outros que não conseguiram romper a barreira de um disco ou uma canção. “Noites Tropicais” de Nelson Motta, já discutido aqui, trata do tema, porém, de forma superficial e restrito à cena carioca. Eis que topei com o livro “Dias de Luta – o rock e o Brasil dos anos 80”, de Ricardo Alexandre, crítico de música e escritor, que lançou o livro em 2002 e traz agora uma edição revista.

É uma leitura interessante, principalmente por conta da excelente pesquisa do autor. Pesquisa calçada não só em farto material escrito, mas também em entrevistas com artistas do período, acrescentando um ótimo sabor de histórias que só estando naquela época para saber. Mais que só um registro da cronologia dos eventos, o autor faz análises relevantes sobre aqueles tempos. Entender o que foi o movimento, seu alcance e sua decadência frente aos lambadeiros e “neossertanejos” não é tarefa simples – para não dizer impossível – visto a complexidade da cena e suas partes: artistas, público, indústria fonográfica, meios de divulgação e crítica especializada. E o livro é extremamente feliz ao retratar a dinâmica desses que considero como os pilares de um movimento pop dessa dimensão.

O livro começa com os primórdios e mostra a transição de uma fase inocente e juvenil da Jovem Guarda, passando pelos tempos psicodélicos de “Os Mutantes” e chega a meados dos anos 70, quando o rock começa a ganhar contornos mais pop graças a artistas como Rita Lee e Raul Seixas. A partir daí, começa a mostrar a ruptura que marcou a época, primeiro sob influência do Punk Rock, estilo que influenciou desde os jovens de classe média de Brasília como Renato Russo, aos jovens inconformados da periferia paulistana e ABC. E depois, já sob a bandeira do que ficou conhecido como Pós-punk ou New Wave, quando se traz para o rock, estilo até então com uma sonoridade muito bem definida, quase ortodoxa, ares da música eletrônica e de sons mais diversos como o reggae e ska.

A explosão da geração dos anos 80 é um movimento interessante de subversão da ordem da todo-poderosa indústria fonográfica. Essa última, com seus esquemas de jabá e divulgação massiva, estava acostumada a ditar o que a juventude iria escutar no rádio. E aí aconteceu o contrário. Bandas que começaram a se destacar em pequenas casas de show ou em espaços como o Circo Voador, no Rio, aumentam o público graças a demo tapes gravadas precariamente que correm de mão em mão e chegam a rádios alternativas como a carioca fluminense ou as paulistanas 97 Rock e 89 FM. A partir dessa aprovação do público jovem, as gravadoras se mexem e começam quase a recrutar qualquer um que tivesse uma banda. Daí a profusão de nomes lançados na época, mas que, como seria de se esperar, o filtro do tempo se encarregaria de separar o joio do trigo.

O livro então mostra o rock brasileiro se tornando adulto e virando um grande negócio. Do choque cultural causado pelo Rock in Rio de 1985, que apresenta aos artistas brasileiros o que é um show de grande porte e a estrutura com a qual contavam estrelas como Iron Maiden, à turnê meticulosamente produzida de Rádio Pirata, do RPM, cujo disco ao vivo vendeu mais de três milhões de cópias, recorde absoluto até então. Nesse ponto o movimento entra em decadência, perde público e espaço nas rádios e a análise do autor dos fatores que levaram à essa queda, desde a falta de identificação do público com os novos trabalhos até a crise econômica no fim dos anos 80, provê elementos para se entender o contexto.

Sem dúvida, um período interessantíssimo da nossa música e que produziu muita coisa boa, músicas e artistas que ainda mexem com muita gente. E Ricardo Alexandre foi extremamente feliz em não só retratar, mas também em analisar o movimento. Leitura mais do que recomendada para se entender aqueles tempos e a intrincada dinâmica da indústria musical.

(Publicado no Jornal das Lajes, Março de 2016)

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