Ele ainda faz

Mais um bom lançamento nas prateleiras, de um dos maiores guitarristas do rock, Eric Clapton. O setentão Clapton vem com o álbum “I Still Do”, “eu ainda faço” em uma tradução livre. E faz mesmo. Eric Clapton é um artista que viveu as glórias do rock e os horrores dos seus excessos de drogas e álcool. Em 1966, com apenas 21 anos já era considerado um dos grandes guitarristas da Inglaterra, quando surgiu no metrô londrino a famosa inscrição “Clapton is God” (Clapton é Deus). Daí para frente teve uma carreira pontuada pelo virtuosismo e inspiração da sua guitarra. E também marcada pela sua devoção ao Blues, estilo que o inspirou desde quando empunhou um violão pela primeira vez até os dias de hoje.

Em “I Still Do” ele deixa isso bem claro. O Blues está lá em diversas formas, desde uma sonoridade mais purista como em “Alabama woman blues” até em versões mais eletrificadas como “Cypress grove”, que poderia muito bem ter sido gravada em seus tempos de The Cream. Clapton não fez desse álbum propriamente um tributo ao blues, até porque já fez homenagens explícitas como em “Riding With The King” (gravado com B.B. King) ou em “Me and Mr. Johnson”, dedicado ao seu maior ídolo, a lenda do Blues Robert Johnson. Aliás, é de Johnson a faixa “Stones in my passway”, com uma levada de Blues bem tradicional, mas eletrificada.

Neste disco Eric Clapton vai além do Blues. Até porque é um disco de poucas faixas autorais e aparecem desde canções dos anos 30 até uma faixa de Bob Dylan. O mais curioso é que Clapton conseguiu imprimir seu toque nas músicas e, em uma primeira audição e antes de ler os créditos, eu tive impressão que ele estava fazendo uma espécie de retrospectiva das sonoridades que explorou em sua carreira. E sobre as sonoridades, ele passeia sobre períodos interessantes da sua carreira, como em “Can’t let you do it”, que remete aos seus álbuns clássicos “461 Ocean Boulevard” e “Slowhand”, de 1974 e 1977, respectivamente. Ainda lembrando essa grande fase temos “Somebody’s knockin”.

Na faixa “I will be there” ele resgata o clima de suas baladas que estiveram em evidência na virada dos anos 90 para 2000, como “Change the world”. Ainda na onda dessa época vem a bonita canção “Spiral”, na qual Clapton usa sua guitarra em um dueto consigo mesmo, fazendo contrapontos interessantes com a sua voz. Eric Clapton, blueseiro de coração e alma, já declarou sua admiração pela bossa nova e a batida de João Gilberto. Embora essa não seja sua praia, percebe-se a influência no acompanhamento sincopado de “Catch the blues”, uma das poucas faixas assinadas por Clapton. E falando de praias diferentes, Clapton até se arrisca em uma balada com uma pitada jazzística “Little man, you’ve had a busy day”. Saindo do jazz, Clapton mostra que não quer se prender a estilos e flerta com o Country em “I dreamed I saw St. Augustine” de Bob Dylan. Em mais uma visita ao passado, “I’ll be alright” nos faz lembrar de “Unplugged”, o seu show acústico na MTV que no começo dos anos 90 o apresentou para gerações mais novas e o levou de volta ao topo das paradas. Para fechar bem o disco, Clapton faz as vezes de crooner em “I’ll be seeing you”, um standard de jazz bem costurado.

Ao fim da audição o que se pode dizer é que é um disco muito agradável e bem produzido. Clapton fez um disco econômico em termos de arranjos, sem orquestrações grandiosas ou pirotecnias do gênero. Porém, é na simplicidade que os bons se destacam, quando não se tem toda a maquiagem sonora para esconder limitações. Além disso, Clapton se sai bem nos vários estilos em que passeia. Mas, tal como um estrangeiro que domina outras línguas, mas não consegue esconder o sotaque, o Blues vai ser sempre o idioma nativo de Eric Clapton e sua sonoridade sempre evidente. Resumindo, pode ouvir que não vai ter arrependimento.

(Publicado no Jornal das Lajes, Julho de 2016)

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