Música com coragem

Tenho sempre escrito que a música brasileira vai bem. E criativa e moderna graças aos novos nomes. Eles louvam e reverenciam os grandes mestres, mas seguem um caminho próprio. Bem, talvez seja até bondade chamar de caminho, já que me parece mais uma picada aberta na raça em uma mata fechada de rádios e mídias dominadas por jabá e música pop de qualidade questionável, sem qualquer apoio de gravadoras ou gerentes de carreira, além dos poucos espaços que se abrem para divulgação de trabalhos autorais. Mas ainda assim seguem em frente e bem, como se vê em lançamentos que têm ocupado minha vitrola por esses dias, os álbuns “Camaleão Borboleta” do grupo Graveola e Lixo Polifônico e “Ó” de Juliana Perdigão.

O grupo Graveola e o Lixo Polifônico está na ativa há um bom tempo e lança o seu sexto disco, “Camaleão Borboleta”, produzido pelo experiente Chico Neves (Lenine, Skank, Paralamas e outros) e que ainda conta com a participação especial de Samuel Rosa. Nesse disco o Graveola capricha nos arranjos e nas bases muito bem arranjadas pelos seus integrantes. Os vocais ficam a cargo de José Luis Braga, Luiz Gabriel Lopes (sobre o qual escrevi aqui a respeito do disco solo “O Fazedor de Rios”) e Luiza Brina (que também faz parte do coletivo ANA, a Amostra Nua de Autoras, também tema dessa coluna). Em termos de estilo, nesse disco o Graveola faz um trabalho totalmente apoiado em ritmos brasileiros como o frevo, maracatu e influências afro como o ijexá. O clima do disco é leve e de alta energia, mas sem perder de vista a relevância das letras, assinadas em sua maioria pelo trio de cantautores. É impossível ouvir “Camaleão Borboleta” e não fazer um paralelo com “Os Novos Baianos”, influência que a própria banda faz questão de citar, seja pelo time de compositores reunidos sob a mesma bandeira, seja pelo entrosamento e coesão do trabalho. Resumindo, é música brasileira vibrando na intensidade máxima e, principalmente, original e livre de clichês.

Juliana Perdigão tem forte ligação com o Graveola, já que fez parte do grupo, mas voa solo há um bom tempo. É uma música versátil e completa: cantora, compositora e exímia clarinetista e flautista. O seu segundo disco, “Ó”, coloca Juliana em um time de artistas que traz a música brasileira para um patamar diferente de sonoridades e, principalmente, de ausência de rótulos. Dessa nova música brasileira vêm as participações especiais de Rômulo Fróes (que assina a direção artística com Juliana), Tulipa Ruiz, Ná Ozzetti e Luiz Gabriel Lopes. Apoiada pelo seu competente grupo “Os Kurva”, Juliana passeia pelo rock, música eletrônica e outras praias de modo que seu trabalho não conhece fronteiras. Nesse caldeirão de influências e estilos, Juliana colocou na praça um disco autêntico e calçado em interpretações corajosas. Totalmente fora daquilo que se chamaria de um álbum convencional, ela intercala as faixas com textos e poesias que surpreendem. E as próprias letras seguem esse espírito livre de formato, já que são poesias que em várias ocasiões rompem com o que seria tradicionalmente chamado de canção. Em suma, Juliana caprichou em um disco que pode ser chamado de tudo menos de óbvio. E de quebra, ainda dá uma bela cutucada nas convenções ditas corretas da sociedade com letras inteligentes sintetizadas pela última música, o “Hino da Alcova Libertina”. E na ousada arte do disco. Mas dessa arte não vou falar aqui e deixo a surpresa para quem quiser conhecer o disco.

Como se pode ver e ouvir nesses dois álbuns, escassez de talento está longe de ser problema na nossa música brasileira. São dois trabalhos ousados, bonitos e inovadores e que merecem ser escutados com atenção. Trabalho de artistas que fazem música com coragem e sem preocupação de amarras comerciais, formatos ou imposições.

Dicas sobre esses e outros artistas você vê lá na página no Facebook. Visita lá:
https://www.facebook.com/TrilhaSonoraBR/

(Publicado no Jornal das Lajes, agosto/2016)

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