Sergeant Pepper’s: 50 anos e contando...
Nos anos 60 o mundo passava por grandes transformações com profundas implicações para toda a sociedade. O mundo vivia sob a sombra da guerra fria e o risco de um conflito nuclear, além de mudanças que balançavam a ordem geopolítica e envolviam toda a sorte de revoluções e conflitos armados. Nesse caldeirão havia uma juventude que acreditava na mudança através do poder da flor e do amor e buscava alternativas embalados pelo som do rock’n’roll e por drogas para expandir os limites da consciência. Imersos nesse momento e, ao mesmo tempo, se tornando um dos seus principais influenciadores, os Beatles colocam no mercado um álbum cujas implicações iriam muito além da música popular e se tornaria um marco da produção fonográfica, o “Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, que acaba de completar cinquenta anos e segue relevante.
O evento está sendo tão celebrado que pensei em não escrever a respeito, já que tem muita gente fazendo-o com propriedade. Mas depois de ver no jornal Estado de Minas uma montagem parodiando a capa do Sgt. Pepper’s com os envolvidos nos escândalos de corrupção, ficou claro que eu não podia deixar a data passar em branco, dado o impacto cultural e musical desse disco. Na época, os Beatles sofriam com a loucura que se tornou a beatlemania: gente se machucando nos shows por conta de fãs descontrolados e performances de péssima qualidade, consequência da gritaria que impedia que eles se ouvissem no palco. Decidiram então abandonar os shows para se dedicarem exclusivamente ao trabalho de estúdio.
Deram então continuidade à experimentação e sofisticação de arranjos que já havia começado no álbum anterior, “Revolver”, sem a menor preocupação de executar ao vivo as faixas. Além disso, criaram uma espécie de alter-ego, a fictícia banda do Sargento Pimenta que faria o seu “show” ao longo do disco. As temáticas das músicas são aparentemente despretensiosas: cenas cotidianas – que falam do trabalho de uma leitora de parquímetros (“Lovely Rita”) ou de alguém que reforma sua casa (“Fixing a Hole”) – ou lembranças da infância pintadas nas clássicas “Penny Lane” e “Strawberry Fields Forever”. Sobre essas últimas duas, vale uma nota. Foram as primeiras músicas gravadas para o trabalho, mas, por pressão da gravadora, acabaram lançadas em compacto – prática comum da época – e não entraram no disco, decisão da qual se arrependeriam depois.
Apesar da suposta inocência dos temas, as músicas se encadeiam com tal coesão que fizeram que o disco fosse prontamente identificado como um álbum conceitual, isto é, um trabalho que gira em torno de um tema e não é uma mera reunião de faixas. Isso era algo inédito na época e passou a ser perseguido pelos artistas. Um exemplo pode ser visto no Brasil. Caetano, Gil, Mutantes e companhia estavam trabalhando no disco “Tropicália”, que reuniria algumas faixas de cada participante. Após o lançamento de Sgt. Pepper’s, os planos foram revistos e o lançamento adiado para que pudessem trabalhar em um disco que tivesse conexão do começo ao fim. Além disso, Sérgio Dias dos Mutantes admitiu que o arranjo de sopros de “Panis et Circenses” são inspiração direta do trompete de “Penny Lane”.
No plano cultural, sua estética psicodélica veio a calhar com o momento em que nascia o movimento hippie e começava o “Verão do Amor” de 67, fazendo com que o disco estendesse sua influência para esferas além da música, como a moda e as artes plásticas. Em suma, é difícil falar em um espaço de uma coluna de jornal sobre um disco que já rendeu documentários, livros e teses de doutorado. Mas eu tento resumir porque vale a pena ouví-lo com cuidado: são os Beatles em um pico de criatividade, trabalhando juntos e em perfeita sintonia e com o suporte um produtor talentoso (George Martin) em um trabalho que influenciou toda a música e artes modernas. É difícil chegar ao fim do disco sem sair maravilhado com o que pode ser feito com criatividade e apenas um modesto gravador de quatro canais.
(Publicado no Jornal das Lajes, junho de 2017)
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