As várias faces de Rita Lee
Sou das antigas e ainda gosto de comprar discos. Gosto de esmiuçar o encarte e a ficha técnica do álbum para saber quem tocou nas faixas, quem são os compositores e admirar as artes. Ouvir através de streaming é prático, mas a única informação a mais que temos é a arte da capa. Assim, não abrirei mão de comprar discos enquanto eles existirem. Outro dia, não resisti a uma promoção de uma pequena caixa de CDs com os três primeiros discos da carreira solo da Rita Lee, uma fase de transição impressionante e decisiva da sua carreira.
Rita Lee surgiu com uma das bandas mais corajosas e inovadoras da música brasileira, Os Mutantes, ao lado dos irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias. Em um momento em que o rock ainda era inocente e com temáticas juvenis, os Mutantes ousaram empunhar guitarras elétricas e levar o rock nacional para a idade adulta com um som psicodélico e com substância. Encontraram a parceria perfeita com o movimento tropicalista e balançaram o cenário musical brasileiro. Rita se destacou como cantora e compositora e a gravadora se animou com a ideia de lançá-la em um disco solo. O seu primeiro álbum, “Build Up”, foi, na prática, um álbum dos Mutantes creditado à Rita. Tinha toda a sonoridade da banda e algumas faixas assinadas por Arnaldo Baptista, que naquele momento estava casado com Rita Lee.
Na sequência, veio o segundo álbum de Rita, “Hoje é o primeiro dia do resto de nossas vidas”, novamente um verdadeiro disco dos Mutantes, com a banda completa nos instrumentais e praticamente todas as faixas assinadas por ao menos um dos irmãos Dias Baptista. Naturalmente, a sonoridade ainda era a dos Mutantes: extremamente psicodélica, experimental e já com um pé no rock progressivo, que já estava em alta em 1972. E nesse ponto, com os Mutantes já consolidados e com sucesso comercial, a situação vira de cabeça para baixo para a banda e para Rita. O seu casamento com Arnaldo tem um fim conturbado e, ao mesmo tempo, ela é expulsa da banda. A separação com certeza contribuiu, mas a guinada para o rock progressivo teve seu peso na expulsão. Os irmãos Dias Baptista teriam alegado que uma banda de progressivo precisaria de instrumentistas competentes, coisa que Rita, uma intérprete por excelência, não era.
Nesse momento, começa o renascimento de Rita Lee, que a levaria para destinos que nunca alcançaria a reboque dos Mutantes. O terceiro disco da caixa é o excelente “Atrás do porto tem uma cidade”, que definiria o estilo de Rita nesta nova fase. Finalmente sozinha, Rita Lee recrutou uma legítima banda de rock para ser seu apoio. A banda, batizada de Tutti Frutti, tinha no comando o lendário Luis Carlini na guitarra. O disco, que nem de longe lembra os Mutantes, foi algo necessário para que Rita Lee mostrasse que era uma verdadeira artista capaz de liderar um grupo e levantar o público. O disco é puxado para o hard rock, com bases bem mais pesadas do que rolava no país na época. Apesar de algumas críticas negativas, emplacou um sucesso com “Mamãe Natureza” e pavimentou o caminho para outros álbuns de altíssimo nível que viriam em uma sequência de tirar o fôlego: “Fruto proibido”, “Entradas e bandeiras” e “Babilônia”.
Apesar de emplacar vários hits nesses álbuns, a fase de maior sucesso comercial de Rita ainda estava por vir. “Babilônia” seria o último álbum com o Tutti Frutti; depois, começaria a parceria com Roberto de Carvalho. Mais uma vez, Rita mudaria o rumo musical e sua sonoridade, desta vez para uma pegada mais leve e pop e teria um sucesso comercial sem precedentes, que a colocaria entre os artistas de maior vendagem na história do país. Por isso, essa foi sua fase mais conhecida do grande público. Para quem não conhece a fase mais roqueira, sempre recomendo ir atrás dos discos com o Tutti Frutti.
Rita surgiu com os Mutantes, mas mostrou que não precisava deles para crescer. Sempre mudando e buscando novos rumos, Rita definitivamente foi um dos grandes nomes do rock no país e abriu caminhos para o estilo.
(Publicado no Jornal das Lajes, julho de 2019)
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