Música, apesar de tudo

Paul McCartney: banda de um homem só

Vamos começando 2021 com uma ponta de esperança: a vacina que já se enxerga no horizonte. O ano que passou foi terrível em todos aspectos, após sermos atingidos por uma pandemia que parece ter saído de um filme ruim de terror e que está cobrando um preço altíssimo em vidas. Ao longo de 2020, tentei trazer nesta coluna uma série de dicas de grandes discos, dos mais variados estilos, para proporcionar algum conforto para a alma e o coração.

As atividades ligadas à cultura e ao entretenimento foram severamente afetadas pelo isolamento social e a consequente proibição de shows e abertura de teatros e cinemas. Ainda assim, alguns artistas conseguiram produzir em alto nível e, além de shows via internet – as lives –, alguns bons álbuns foram gestados e lançados em 2020. E para começar bem o ano, nada como um disco excepcional do grande Paul McCartney, que, nos últimos dias do ano, botou no ar o excelente “McCartney III”.

Sempre há uma expectativa quando um dos maiores compositores da música popular coloca um disco novo na praça. Os últimos trabalhos de Paul, entretanto, não haviam me impressionado de modo que não sabia exatamente o que esperar. A pandemia e o isolamento fizeram com que Paul gravasse e produzisse um disco literalmente sozinho, tocando todos os instrumentos. A fórmula não é nova. Ao romper com os Beatles em 1970, Paul lançou o seu primeiro disco solo, “McCartney”, gravado desse modo. É um disco excelente, diga-se de passagem, e que vale a pena ser ouvido. E repetiu em 1980, com “McCartney II”. Agora ele faz o seu terceiro álbum, no qual mostra por que é um dos grandes mestres da canção de nossos tempos, além de desfilar seus dotes como multi-instrumentista. O resultado foi surpreendente até para os fãs com maior intimidade com a obra fabulosa do Beatle. 

“McCartney III” é um disco onde o artista se ateve unicamente em mostrar a força das suas melodias e letras, sem se preocupar com produções rebuscadas ou com algum apelo comercial. A voz de Paul sente o peso dos seus 78 anos, mas ele foi completamente honesto em relação a isso, sem se preocupar em soar diferente ou tentar dar algum retoque. Como seria de se esperar de um disco totalmente solo, as bases são simples, mas nem por isso falta qualidade. Paul domina diversos instrumentos e, desde quando gravou, junto com John Lennon, a maioria dos instrumentos da clássica “The Balladof John and Yoko”, ele sempre mostrou a sua intimidade com aqueles instrumentos que fazem a base de um bom rock: bateria, baixo, piano e guitarras. Tal como em seu álbum de estreia solo, Paul faz questão de mostrar que realmente sabe tocar, arriscando-se até em faixas instrumentais.

Com uma combinação de canções fortes, bases sólidas, produção enxuta e despojada – que deixa passar até o que poderia ser chamado de pequenos erros de corte e edição – e toda a sinceridade na interpretação de Paul, que, como disse, mostrou sem maquiagens na voz quem ele é, o disco foi sucesso instantâneo. Curiosamente, um disco que passa longe de buscar fórmulas de sucesso, estreou de cara no topo das paradas britânicas e em segundo lugar nos Estados Unidos. Mais do que o sucesso comercial, Paul nos brinda com mais um trabalho de alto nível e em um momento particularmente delicado. Que a boa vibração das canções do disco traga uma boa energia de que tanto precisamos para encarar um ano que não há de ser fácil.

O trabalho de Paul não foi o único disco novo lançado em meio à pandemia, de modo que ainda temos bastante assunto para as próximas colunas ao longo do ano. Comecem o ano conferindo essa pérola que um dos maiores compositores de todos os tempos nos trouxe.

Em tempos difíceis é que artistas como Paul McCartney se fazem necessários para nos trazer leveza e beleza. Falando em tempos difíceis, cuidem-se, pois ainda estamos longe de sair desse pesadelo e toda atenção ainda é necessária. E que 2021 traga tempos melhores para todos.

(Texto publicado no Jornal das Lajes, janeiro/2021)

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