Instrumental para todos os gostos

Mais dois ótimos discos lançados em 2020

Eu gosto muito de música instrumental, mas, curiosamente, me dei conta de que raramente escrevo sobre esse tipo de trabalho aqui na coluna. Retomando os bons álbuns lançados em 2020, vou falar justamente de dois discos instrumentais e de estilos bem diversos, mas que têm entre si uma pegada rock em comum. Os discos em questão são “Open source”, de Kiko Loureiro, e “Sessões elétricas para um novo tempo”, de Ricardo Vignini. Vamos aos discos.

Kiko Loureiro, “Open source” – Kiko Loureiro é, sem dúvida, um dos mais talentosos guitarristas de rock da atualidade. Se já era reconhecido há um bom tempo no Brasil, principalmente pelo seu trabalho com a banda Angra. O reconhecimento e a fama internacional vieram ao ser recrutado por Dave Mustaine para o Megadeth, banda de renome no heavy metal. No seu último disco solo, ele mostra mais uma vez sua técnica impecável em um disco instrumental. Existe uma lenda – ou preconceito – de que guitarristas muito virtuosos não transmitem sentimento nas suas músicas, e isso é algo que acho uma bobagem. De fato, há guitarristas que não têm nada a mais a oferecer além de velocidade, mas isso está longe de ser verdade no caso de Kiko Loureiro. É um guitarrista cujo som vai muito além da técnica assombrosa.

Já tive a oportunidade de vê-lo ao vivo e sempre fiquei impressionado, mesmo o seu estilo não sendo o tipo de música que curto. Fiquei curioso ao saber que ele lançou um disco em plena pandemia e fui conferir. Kiko recrutou músicos que sempre tocam com ele, como o excelente baixista Felipe Andreoli e o baterista Virgil Donati, e botou na praça um disco excelente para quem curte rock instrumental. O disco ganhou, inclusive, o prêmio de melhor disco de guitarra do ano concedido pela revista “Guitar World”. Um dos destaques é a pesada “Imminent Threat”, que conta com a participação do também virtuoso Marty Friedman, que comandou a guitarra do Megadeth por muitos anos.

Ricardo Vignini Trio, “Sessões elétricas para um novo tempo” – Já escrevi algumas vezes nesta coluna sobre os trabalhos do violeiro Ricardo Vignini: seus discos solos ou com a dupla Moda de Rock, que toca clássicos do rock na viola. Vignini é violeiro com todas as credenciais. Reverencia e trata com o máximo respeito as obras dos grandes mestres, como Tião Carreiro e Índio Cachoeira, mas nunca restringiu a viola caipira às modas, toadas e cururus, com os quais ela é normalmente associada. A viola caipira vem, desde os anos 80, passando por um renascimento impressionante, conquistando adeptos e alargando fronteiras. Vignini é um dos responsáveis por essa expansão de limites ao trazer a viola para o rock, colocar efeitos de distorção e até tocar em uma viola de corpo sólido e captadores tal qual uma guitarra com a qual estamos acostumados.

Trazer a distorção para a viola não significa que Vignini coloca para escanteio a tradição. Ao contrário, em seu trabalho estão sempre presentes os ritmos e técnicas tradicionais da viola, como ele mostra novamente no álbum “Sessões elétricas”. Neste trabalho inspirado pelo rock, Vignini explora muito bem as possibilidades e sonoridades da viola caipira. Primeiro, o som rico das cordas duplas e das afinações abertas (para quem é leigo, é quando você pode tocar um acorde mesmo com todas as cordas soltas). Finalmente, nas técnicas típicas da viola, como o ponteado, em que o violeiro explora o polegar e o dedo indicador da mão do ritmo para tirar efeitos melódicos, harmônicos e rítmicos muito interessantes. Dessa fusão saiu um trabalho extremamente original e de roupagem enxuta, o tradicional power trio, com bateria e baixo. É fusão, mas, se for para rotular, pode-se dizer que o disco é um trabalho de rock e que alterna faixas um pouco mais pesadas com baladas, como a bela “Beijando o céu”. Quem acha que o rock e a música caipira são universos complemente distintos, vai se surpreender.

Com tudo de ruim que rolou no ano passado, ouvir dois bons discos é um alento. As artes e os artistas são mais do que necessários para manter nosso espírito animado. E Kiko Loureiro e Ricardo Vignini o fizeram com louvor. Não deixem de ouvir essas duas ótimas pedidas!

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