Comunismo: a história de um sistema que definiu o século XX
Pra variar, ao invés de uma reflexão, vou compartilhar um livro muito bacana que acabei de ler, "Ascensão e Queda do Comunismo" (The Rise and Fall of Communism) do escocês Archie Brown, renomado estudioso do comunismo que se dedica ao assunto desde os anos 60.
O tema é fascinante pois trata de um sistema político e econômico que marcou o século XX e definiu, para bem e para mal, a história mundial recente. Ainda me é viva a lembrança da Cortina de Ferro, da Guerra Fria e sua corrida armamentista e dos eventos que se seguiram à queda do Muro de Berlim e dos regimes comunistas europeus e foi isso que me atraiu para o livro.
Além das raízes do comunismo, desde Marx e Engels e a revolução Bolchevique, o livro conta com detalhes a ascensão e queda do regime em todos os países que o adotaram, da União Soviética ao Camboja, passando por Cuba, China e outros. O autor, porém, vai muito além de uma simples narrativa e faz uma análise crítica do sistema como um todo e de suas peculiaridades em cada país.
Naturalmente, o livro expõe fatos óbvios como a repressão e vigilância ideológica, as ineficiências inerentes ao sistema econômico planificado e o baixo padrão de vida dos cidadãos sob o regime. O que me surpreendeu, entretanto, foram três visões que ele trouxe e que contrariam o que eu sempre pensei e li sobre o sistema comunista.
A primeira visão nova foi saber que os próprios regimes soviéticos e chineses reconheceram o mal causado por Stalin e Mao Tse-Tung e que a brutalidade alcançou níveis inaceitáveis mesmo para governos despóticos. Ao compreenderem a consequência de tamanha concentração de poder e culto de personalidade, os governos que se seguiram se esforçaram para reverter várias políticas repressivas e retornar o processo de decisão para um sistema colegiado, ainda que a figura do secretário geral do partido gozasse de muitos poderes. A desconstrução de Stalin aconteceu logo após a sua morte, no famoso discurso de Khrushchev em 1956 durante o XX Congresso do Partido Comunista Soviético, quando o segundo expôs abertamente as brutalidades e extermínios em massa cometidos pelo primeiro. Já na China foi de forma mais sutil. Deng Xiaoping sabia do perigo para o próprio partido que seria denunciar um líder reconhecido como Mao e não o fez. De fato, o rosto de Mao ainda é uma marca do regime. Deng, porém, eliminou dos círculos do poder os principais aliados e herdeiros políticos de Mao, reverteu muitas de suas políticas e implantou reformas que transformariam a China na potência atual.
O segundo ponto foi a diversidade de pensamento sob esses regimes e dentro dos partidos dominantes. Sempre pensei nos partidos comunistas como instituições monolíticas e sem espaço para divergências, e nas sociedades como sem pensamento próprio, conformadas e castradas pela repressão e pelo medo. O livro revela que, apesar da do medo, a discussão existia e numa intensidade surpreendente. Driblando a censura, circulavam na União Soviética e Leste Europeu textos e traduções de livros proibidos, produzidos artesanalmente em máquinas de escrever - e multiplicados por papel carbono! - e até músicas de protesto gravadas em casa e distribuídas em fita cassete. Dentro da estrutura rígida dos partidos havia pessoas tentando promover mudanças atuando do lado de dentro do sistema e esses reformistas foram essenciais para conduzir as transformações levadas a cabo pela Primavera de Praga em 68 (que foi esmagada pelos tanques soviéticos) e a Perestroika, que foi a semente do fim da URSS e do comunismo no Leste Europeu.
A terceira revelação foi quanto aos fatores que levaram ao fim do comunismo na Europa. Enquanto se argumenta que a situação econômica ruim forçou Gobarchev a encampar as reformas da Perestroika e Glasnost, o autor argumenta o contrário. Para ele, a deterioração rápida da economia foi consequência das reformas, que levaram a uma situação incompatível de autonomia das empresas e fábricas e ausência de uma economia de mercado. De acordo com Brown, nunca foi a intenção de Gorbachev desmontar o regime comunista (e menos ainda separar as repúblicas soviéticas) e sim deixar o sistema mais democrático, o que acabou se revelando também incompatível visto que um dos pilares do sistema era a centralização do poder sob um partido e o estrito controle da informação.
O fim do livro me deixou pensando sobre qual é o futuro de dois regimes comunistas sobreviventes, China e Cuba (além de Vietnan, Coréia do Norte e Laos). A China abraçou a economia de mercado mas não abriu mão do controle político e ideológico. Até quando conseguem sustentar a situação com tantos chineses conhecendo o mundo "livre"? Cuba, por sua vez, ainda está um passo atrás em termos de economia. Penso se, após a morte, Fidel será louvado no seu país como o herói da revolução ou se será denunciado como Stalin por eventuais abusos dos poderes plenos que sempre gozou. Dúvidas para o futuro.
Por fim, uma nota triste sobre o preço do livro. No nosso "encarecido Brasil" (palavras do meu irmão Cláudio na sua coluna de gastronomia e blog), pode ser comprado por R$71.90 (preço promocional da Saraiva). Na Amazon pode ser comprado por R$29,20 (considerando o câmbio do dólar de 2,02 R$/US$ e 6,38% de IOF). E no Kindle, sai por R$20,90. É difícil ler nesse país.
O tema é fascinante pois trata de um sistema político e econômico que marcou o século XX e definiu, para bem e para mal, a história mundial recente. Ainda me é viva a lembrança da Cortina de Ferro, da Guerra Fria e sua corrida armamentista e dos eventos que se seguiram à queda do Muro de Berlim e dos regimes comunistas europeus e foi isso que me atraiu para o livro.
Além das raízes do comunismo, desde Marx e Engels e a revolução Bolchevique, o livro conta com detalhes a ascensão e queda do regime em todos os países que o adotaram, da União Soviética ao Camboja, passando por Cuba, China e outros. O autor, porém, vai muito além de uma simples narrativa e faz uma análise crítica do sistema como um todo e de suas peculiaridades em cada país.
Naturalmente, o livro expõe fatos óbvios como a repressão e vigilância ideológica, as ineficiências inerentes ao sistema econômico planificado e o baixo padrão de vida dos cidadãos sob o regime. O que me surpreendeu, entretanto, foram três visões que ele trouxe e que contrariam o que eu sempre pensei e li sobre o sistema comunista.
A primeira visão nova foi saber que os próprios regimes soviéticos e chineses reconheceram o mal causado por Stalin e Mao Tse-Tung e que a brutalidade alcançou níveis inaceitáveis mesmo para governos despóticos. Ao compreenderem a consequência de tamanha concentração de poder e culto de personalidade, os governos que se seguiram se esforçaram para reverter várias políticas repressivas e retornar o processo de decisão para um sistema colegiado, ainda que a figura do secretário geral do partido gozasse de muitos poderes. A desconstrução de Stalin aconteceu logo após a sua morte, no famoso discurso de Khrushchev em 1956 durante o XX Congresso do Partido Comunista Soviético, quando o segundo expôs abertamente as brutalidades e extermínios em massa cometidos pelo primeiro. Já na China foi de forma mais sutil. Deng Xiaoping sabia do perigo para o próprio partido que seria denunciar um líder reconhecido como Mao e não o fez. De fato, o rosto de Mao ainda é uma marca do regime. Deng, porém, eliminou dos círculos do poder os principais aliados e herdeiros políticos de Mao, reverteu muitas de suas políticas e implantou reformas que transformariam a China na potência atual.
O segundo ponto foi a diversidade de pensamento sob esses regimes e dentro dos partidos dominantes. Sempre pensei nos partidos comunistas como instituições monolíticas e sem espaço para divergências, e nas sociedades como sem pensamento próprio, conformadas e castradas pela repressão e pelo medo. O livro revela que, apesar da do medo, a discussão existia e numa intensidade surpreendente. Driblando a censura, circulavam na União Soviética e Leste Europeu textos e traduções de livros proibidos, produzidos artesanalmente em máquinas de escrever - e multiplicados por papel carbono! - e até músicas de protesto gravadas em casa e distribuídas em fita cassete. Dentro da estrutura rígida dos partidos havia pessoas tentando promover mudanças atuando do lado de dentro do sistema e esses reformistas foram essenciais para conduzir as transformações levadas a cabo pela Primavera de Praga em 68 (que foi esmagada pelos tanques soviéticos) e a Perestroika, que foi a semente do fim da URSS e do comunismo no Leste Europeu.
A terceira revelação foi quanto aos fatores que levaram ao fim do comunismo na Europa. Enquanto se argumenta que a situação econômica ruim forçou Gobarchev a encampar as reformas da Perestroika e Glasnost, o autor argumenta o contrário. Para ele, a deterioração rápida da economia foi consequência das reformas, que levaram a uma situação incompatível de autonomia das empresas e fábricas e ausência de uma economia de mercado. De acordo com Brown, nunca foi a intenção de Gorbachev desmontar o regime comunista (e menos ainda separar as repúblicas soviéticas) e sim deixar o sistema mais democrático, o que acabou se revelando também incompatível visto que um dos pilares do sistema era a centralização do poder sob um partido e o estrito controle da informação.
O fim do livro me deixou pensando sobre qual é o futuro de dois regimes comunistas sobreviventes, China e Cuba (além de Vietnan, Coréia do Norte e Laos). A China abraçou a economia de mercado mas não abriu mão do controle político e ideológico. Até quando conseguem sustentar a situação com tantos chineses conhecendo o mundo "livre"? Cuba, por sua vez, ainda está um passo atrás em termos de economia. Penso se, após a morte, Fidel será louvado no seu país como o herói da revolução ou se será denunciado como Stalin por eventuais abusos dos poderes plenos que sempre gozou. Dúvidas para o futuro.
Por fim, uma nota triste sobre o preço do livro. No nosso "encarecido Brasil" (palavras do meu irmão Cláudio na sua coluna de gastronomia e blog), pode ser comprado por R$71.90 (preço promocional da Saraiva). Na Amazon pode ser comprado por R$29,20 (considerando o câmbio do dólar de 2,02 R$/US$ e 6,38% de IOF). E no Kindle, sai por R$20,90. É difícil ler nesse país.
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