O Berço do Rock’n’Roll: Sun Records
No começo do ano escrevi sobre gravadoras lendárias, quando falei da Atlantic e da Chess, dois selos que escreveram seus nomes na história da música moderna por conta da qualidade de seu elenco e da sensibilidade de seus produtores na hora de garimpar artistas e músicas que poderiam render sucessos. E falando em contribuição para a música, não posso deixar de contar a história da Sun Records, a pequena gravadora que registrou as primeiras gravações e apresentou ao mundo artistas como Elvis Presley, Johnny Cash, BB King e outros ícones.
Sam Phillips, seu fundador, era um disc jockey e engenheiro de rádio. Branco, nascido no sul racista dos Estados Unidos, foi criado em uma fazenda de algodão onde trabalhou nos campos ao lado de trabalhadores negros, cuja música o impressionou desde pequeno. Após trabalhar em rádios, fundou um pequeno estúdio em Memphis, onde abria espaço para amadores. Fã de blues e rhythm & blues (R&B), logo promoveu gravações de jovens artistas como BB King, Howlin’ Wolf e Ike Turner. Inicialmente não tinha um selo próprio. Após registrar em estúdio, Phillips licenciava a gravação para outras gravadoras, como a Chess. Uma dessas gravações, em 1951, foi um R&B de ritmo mais agitado chamada “Rocket 88”, creditada a Jackie Brenston and His Delta Cats. Jackie na verdade era um instrumentista e vocalista da banda de Ike Turner, autor da música. O amplificador de guitarra usado na gravação havia sofrido uma queda e o som ficou distorcido, mas Phillips achou que ficaria bom. A música é considerada por vários historiadores como o primeiro rock gravado. Naturalmente, a primazia é disputada, pois outros artistas, de country e blues, na época já gravavam batidas mais aceleradas que poderiam ser consideradas rock. Lançada sob o selo da Chess, a música foi um sucesso absoluto, sendo executada até por rádios que tocavam somente artistas brancos (lembrem-se que o sul dos EUA ainda mantinha leis segregacionistas). Pouco depois, em 1952, Phillips fundou seu próprio selo, a Sun Records.
Em 1954 entrou pelo estúdio um jovem morador de Memphis, que sonhava em ganhar a vida com a música. Era fã de blues, R&B e country e se chamava Elvis Presley. Phillips não estava presente na gravação e inicialmente não se impressionou com o resultado, mas não negou depois a chance de Elvis gravar para valer com dois músicos de estúdio mais acostumados com música country. Após horas de estúdio sem um resultado satisfatório, Phillips estava desanimando. Em um intervalo, Elvis tentou um arranjo um pouco mais country para o R&B de Arthur “Big Boy” Crudup “That’s all right” e Phillips viu que aquele era o som que ele queria. O sucesso foi imediato e Elvis estava começando a escrever seu nome na história. A Sun ainda revelou grandes nomes como Carl Perkins, Johnny Cash, Roy Orbinson e Jerry Lee Lewis. Não é de graça que, ao visitar o estúdio da Sun em Memphis pela primeira vez, Bob Dylan se ajoelhou e beijou o chão onde pisaram aqueles que o precederam e deram forma ao estilo que revolucionou a música, costumes e deu voz à juventude. Ou que o U2 tenha feito questão de registrar, em 1988, algumas faixas do álbum “Rattle and Hum” em um gravador de fita de 12 canais no lendário estúdio.
Alguns anos depois, Sam Phillips passaria por dificuldades financeiras por conta de um processo de plágio e seria obrigado a vender os direitos de artistas como Elvis. Nos anos 60 o estúdio viu o volume de gravações diminuir até o selo ser vendido por Phillips em 1969. O espaço onde nasceu o rock deixou de ser um estúdio até ser reformado e reaberto para gravação e como um pequeno museu em 1987. A partir daí começou a atrair, além de músicos, turistas e fãs que querem conhecer esse lugar especial e cheio de histórias. Se há quem diga que o rock é quase uma religião, o estúdio da Sun talvez seja a sua “igreja da natividade”. Exageros a parte, não há como separar o pequeno estabelecimento localizado no número 706 da avenida Union em Memphis da história da música popular moderna.
(publicado no Jornal das Lajes, outubro de 2016)
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