Gravadoras lendárias
Os mais jovens não vão se
lembrar, mas houve um tempo em que se comprava música em discos ou
fitas. Ou se aguardava ansiosamente para ouvir a música favorita no
rádio. Naqueles tempos, quando copiar uma música era um processo
demorado e não muito barato (fitas boas não eram tão acessíveis, além de
comportar no máximo 90 minutos), quem ditava o rumo da indústria
musical eram as gravadoras e selos com seus esquemas de distribuição e
divulgação (inclui-se aí o nefasto “jabaculê”, que envolvia pagamentos e
presentes aos canais de rádio e TV para favorecer algumas músicas).
Se desde um bom tempo o que guia
o trabalho dos artistas das grandes gravadoras é o retorno financeiro,
houve uma época na qual qualidade artística era o critério principal
para se decidir o lançamento de um álbum ou compacto. Algumas gravadoras
se tornaram lendárias por serem dirigidas por quem entendia de música
e, sem deixar o lucro de lado, tinha a sensibilidade para saber o que
era música boa. Tempos em que diretores e produtores percorriam casas de
show atrás de novos talentos e do próximo sucesso. Invariavelmente,
essas gravadoras colocavam à disposição dos seus artistas produtores
brilhantes, músicos de estúdio competentes e compositores consagrados.
Entre essas, podemos citar as estrangeiras Atlantic Records, Chess
Records e a Tamla Motown. No Brasil tivemos a EMI-Odeon, a
Philips/Phonogram e a Elenco.
A Atlantic foi fundada pelos
irmãos turcos radicados nos EUA Ahmet e Nesuhi Ertegun. Nos anos 50 se
notabilizou pelos trabalhos de jazz, Rhythm & Blues e soul. Nesse
período, teve no seu time artistas como Aretha Franklin, Ray Charles e
Otis Redding. No final dos anos 60 abraçou o rock e foi a gravadora que
lançou o Led Zeppelin, o trio Crosby, Stills & Nash (e depois
quarteto, com Neil Young) e ainda contou com artistas como o The Cream
(cujo álbum histórico “Disraeli Gears” foi gravado nos estúdios da
Atlantic em Nova Iorque) e o Yes. A Atlantic trabalhou com produtores do
calibre de Phil Spector, Tom Dowd e a dupla Jerry Lieber e Mike
Stoller, os autores de clássicos como “Hound Dog”, “Stand by Me” e
“Jailhouse Rock”.
A Chess foi fundada pelos irmãos
Phil e Leonard Chess em Chicago e é creditada pelo resgate do blues
americano nos anos 50, além de abrir as portas para artistas negros nos
primórdios do rock, como Chuck Berry. Nos anos 50 e 60, com o panorama
da música pop em mudança, a Chess promoveu nomes do tradicional blues
como Howlin’ Wolf, Muddy Waters e Willie Dixon. A influência desses
artistas chegaria ao outro lado do Atlântico, causando uma revolução no
rock inglês com a “eletrificação” do blues promovida por Eric Clapton,
os Rolling Stones e outros. Os Stones inclusive pagariam um tributo aos
mestres gravando um disco no estúdio mais famoso da Chess, localizado no
número 2120 da South Michigan Avenue. Do time de músicos de estúdio da
Chess ainda saiu o núcleo do renomado Earth, Wind & Fire.
Um traço comum a esses selos era
o fato de que os seus donos se envolviam profundamente na seleção de
artistas e produção dos trabalhos. Porém, à medida em que a música pop
se tornava um negócio milionário, esse panorama foi se alterando. Os
custos crescentes para divulgação, distribuição de discos e assinaturas
de contratos naturalmente empurraram esses selos para os braços de
corporações maiores como a Warner, que comprou a Atlantic. Gradualmente a
liberdade artística foi substituída pela busca de fórmulas mágicas que
garantissem o sucesso instantâneo de músicas e novos artistas. E
produtores e diretores que conheciam música foram trocados por
executivos engravatados preocupados só com os números financeiros.
Tempos tristes para a música.
Aqui no Brasil também passamos
por transformações parecidas: de tempos nos quais álbuns sem compromisso
comercial algum, como o “Clube da Esquina”, ainda eram lançados para
dias de música quase padronizada. Mas essa história fica para outra
oportunidade, assim como a de outra gravadora lendária que virou
praticamente adjetivo do som que produzia, a Motown. Que 2016 seja um
bom ano para todos e para a música.
(texto publicado no Jornal das Lajes, janeiro de 2016)
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