De rock também vive a viola
O ano de 2016 começou animado com o lançamento de discos. No último dia 17 de janeiro a dupla de violeiros Ricardo Vignini e Zé Helder lançou o álbum Moda de Rock II, de viola instrumental. Viola no rock? Isso mesmo. E a mistura dá liga e é saborosa. O Moda de Rock é um trabalho que estreou em 2011, quando os violeiros resolveram trazer para a linguagem da viola caipira uma paixão comum, o rock. No primeiro disco a dupla apresentou clássicos como “Kashmir” (Led Zeppelin), “Kaiowas” (Sepultura) e “In the Flash” (Pink Floyd). Mais do que simplesmente versões executadas na viola, eles primam por incorporar aos arranjos os ritmos tradicionais de viola como o cururu, cateretê e o pagode de viola, promovendo uma verdadeira fusão dos estilos. A combinação deu certo e agradou, fato que rendeu à dupla diversas aparições em programas de TV, além de centenas de shows que contaram até com participações de guitarristas consagrados como Pepeu Gomes, Kiko Loureiro e Andreas Kisser.
E agora, cinco anos após o sucesso do primeiro disco, eles surpreendem com outro álbum excelente no qual retomam a fórmula viola-rock, mas sem se repetir ou parecer mais do mesmo. Falando primeiro do lançamento, assisti ao show no Teatro Paulo Autran em São Paulo e já fiquei feliz por ver casa cheia e saber que ainda tem muita gente que sai de casa para assistir a um show de música instrumental. E de viola caipira, em plena metrópole de concreto de São Paulo. A dupla desfilou virtuosismo e entrosamento em um show de primeira, com direito à participação especial do lendário Robertinho do Recife. Sobre o disco, o mais importante de que se pode dizer é que talvez tenha sido até mais corajoso do que o primeiro, já que a dupla colocou um pouco mais de peso no repertório com a escolha de vários clássicos do Heavy Metal.
Quando se pensa em viola caipira, em um primeiro instante vem à lembrança seu caráter melódico, solos sentidos e cheios de emoção, fato que casa muito bem com baladas de rock, que a dupla soube explorar em versões de “Laguna Sunrise” (Black Sabbath), “I Want To Break Free” (Queen) e “Why Worry” (Dire Straits). Essa última virou uma toada na viola, e a conexão dos estilos ficou clara no show, com um belo incidental instrumental de “Chico Mineiro”. A viola, porém, tem também um outro lado de instrumento de acompanhamento rítmico e sua tradição carrega ritmos vigorosos como o pagode de viola, o chamamé e o recortado, que incorporam elementos de efeito percussivo como o rasqueado, de origem ibérica, e o abafamento das cordas com a própria mão do ritmo. Ritmos complexos, mas que os violeiros Vignini e Zé Helder executam com perfeição e conferem peso ao juntar a viola com o Heavy Metal de “Refuse/Resist” (Sepultura), “Raining Blood” (Slayer), “Thunderstruck” (AC/DC) ou “Wasted Years” (Iron Maiden). Além disso, a dupla ousa em arranjos complexos e ricos como “Diary Of a Madman” de Ozzy Osbourne.
A beleza e originalidade das versões, porém, não poupam os artistas de críticas e, volta e meia, eles são atacados por fãs mais radicais de um estilo ou outro. Os caipiras, que não aceitam a viola se prestando para música de gringo, ou roqueiros que não admitem outro instrumento que não guitarras distorcidas. Felizmente, estes “fundamentalistas” são exceção, como eu mesmo pude testemunhar em outro show da dupla, que reuniu na mesma plateia a turma do chapelão, no melhor estilo Tião Carreiro, e os metaleiros com suas tradicionais camisas pretas. Afinal, que instrumento melhor do que a viola para fazer uma ponte entre extremos aparentemente irreconciliáveis? A viola tradicionalmente sempre conviveu entre opostos, como o religioso e o profano, ou Deus e o Sem Nome. O mesmo violeiro que louvava os santos em festas religiosas era quem agitava os bailes e recorria a pactos com o Coisa Ruim para apurar sua técnica. E assim Ricardo Vignini e Zé Helder mantêm a tradição fazendo uma ponte bonita e original da nossa viola com rock. Para se conferir e não se arrepender.
(Texto publicado no Jornal das Lajes, fevereiro de 2016)
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