Ano cheio de música boa
Nas últimas colunas falei de clássicos porque não podia deixar passar em branco datas como o aniversário do Sgt. Pepper’s. Agora é hora de falar de novidade, já que 2017 tem trazido muita coisa boa para nossas vitrolas. De fato, andei ouvindo tanta coisa bacana que devo gastar algumas colunas para comentar tudo. Para começar vou falar do lançamento de um disco bastante surpreendente: o belo e original “Caipira”, de Mônica Salmaso, dona de uma voz incrível.
Mônica Salmaso é uma veterana com ótimos discos na bagagem e, como disse antes, uma cantora de primeiríssima linha. Se não conhece seu trabalho, recomendo começar pela releitura dos Afro-Sambas de Vinícius e Baden Powell, que ela fez em parceria com o grande violonista Paulo Bellinati. Cerca de três anos após o último disco, o excelente “Corpo de Baile” (onde interpreta peças da parceria de Guinga e Paulo César Pinheiro), ela lançou recentemente “Caipira", um álbum onde ela visita paisagens rurais. E foi justamente o tema escolhido que fez o disco tão original. Mônica andou por esse ambiente, bastante diferente do Rio de Janeiro que normalmente eu associaria a ela, imprimindo o seu estilo e sem resvalar para lugares comuns como forçar a roupagem das músicas para associá-la ao universo rural. Apesar da economia de instrumentos nos arranjos, eles são de muito bom gosto e têm a cara de outros trabalhos da artista. Além disso, casam perfeitamente com a bela voz e as excelentes interpretações, que alguns vão dizer que não pertencem ao universo caipira – e com razão – mas que eu julgo como um dos pontos altos do disco.
Claramente, apesar do nome do álbum, ela não queria fazer um disco de música caipira, no sentido que se esperaria do termo nos dias de hoje, muito usado para distinguir o trabalho de artistas sertanejos tradicionais daquele gênero que se estabeleceu nos anos 90 e de viés mais romântico. A temática do disco é com certeza um lugar longe do centro urbano, mas com um toque bastante original na escolha do repertório. Mônica promoveu uma excelente mistura de músicas caipiras tradicionais, como a moda “Minha vida” de Vieira e Carreirinho, o causo cantado “A velha” de Zezinho da Viola ou “Saracura três potes” de Téo Azevedo, com composições de, quem diria, Gilberto Gil, Nana Caymmi e os sambistas Cartola e Dudu Nobre. E a mistura funcionou muito bem, com Mônica botando sua voz a trabalho das canções de forma muito feliz. Sua interpretação cristalina, aliada ao instrumental que conta com nomes de peso como Proveta no Sax e Clarineta e Toninho Ferragutti no Acordeon, valorizou demais a beleza das melodias.
As músicas caipiras ditas “de raiz” ganharam uma interpretação bastante respeitosa e saíram ganhando com a possibilidade de se ouvi-las com outro sotaque e com o toque pessoal de Mônica Salmaso que, como disse, consegue dar um destaque e tanto para as melodias, valorizando-as. Ainda sobre o repertório, Mônica foi bastante cuidadosa na escolha das músicas vindas de fora do universo caipira tradicional, de forma que preservou a temática do disco. Além dos já citados Gil, Cartola e Dudu Nobre, ela mostrou belas peças de autores como Rafael Alterio – que sempre gosta de mostrar seu gosto pela temática caipira ao lado de Ivan Lins – ou os veteranos Sérgio Santos e Roque Ferreira.
Ao fim, o resultado é um disco lindíssimo, de bom gosto e bastante coeso. Mônica Salmaso mostra mais uma vez a qualidade da sua voz e interpretação, ambos irretocáveis, em um trabalho bastante original na escolha do tema e repertório e que traz um novo olhar ao universo caipira e rural. Embora possa se dizer que Mônica tem um pé bem plantado no mundo urbano, ela passeou com naturalidade nesse outro cenário e fez uma leitura bastante pessoal e que vale cada minuto da audição. O ano está quente de música boa e nas próximas colunas vamos continuar a falar de outros trabalhos que estão saindo do forno.
(Publicado no Jornal das Lajes, setembro/2017)
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