Arte coletiva e as autoras desnudadas
Trabalhos coletivos de músicos fazem parte do nosso
cenário artístico há tempos. Antes de começar, vale fazer uma distinção
entre o trabalho de uma banda e o coletivo. Adianto que essa distinção é
um julgamento meu e pode estar sujeito a discussões. Uma banda é
constituída de músicos trabalhando juntos, sob a mesma “bandeira”,
embora normalmente possuam dinâmicas e papéis bem definidos. O Mick
Jagger ou Keith Richards se comportam de forma distinta quando nos
Rolling Stones ou quando atuando sozinhos. Em um coletivo também temos
artistas trabalhando juntos, porém, o resultado é mais individual. Cada
música tem a cara do artista e não necessariamente do grupo. Os artistas
se ajudam, compõem juntos, participam uns das gravações e shows dos
outros, mas preservam o seu traço mesmo em álbuns coletivos.
No Brasil vários trabalhos coletivos se
notabilizaram: o álbum “Tropicália” de Caetano, Gil, Gal, Mutantes e
outros talvez tenha sido o primeiro trabalho de destaque construído
explicitamente nesse espírito. “Tropicália” inicialmente seria um disco
com algumas músicas de cada artista. Porém, pouco antes do lançamento
veio o “Sergeant Pepper’s” dos Beatles, trazendo a ideia do álbum
conceitual e Caetano, Gil e companhia resolveram dar uma cara diferente
para o disco e contar uma história com as canções. Ainda assim, ao se
ouvir fica claro quem é quem. Outro coletivo importante viria a ser o
álbum “Clube da Esquina”, fruto do trabalho de Milton Nascimento, Lô
Borges, Beto Guedes e outros bem sintonizados entre si nas letras e
músicas. Deixando de lado o fato de ser verdadeiramente um grupo, o
estilo de vida dos Novos Baianos (Moraes Moreira, Baby Consuelo,
Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão e Pepeu Gomes) talvez os coloque na
categoria de coletivo, já que viviam todos juntos no mesmo espaço. Por
fim, o movimento da Bossa Nova não deixa de ter um quê de coletivo,
tendo em vista a interação de todo o grupo nas composições, shows e
discos.
Nos últimos dias um trabalho de criação coletivo me
chamou a atenção, a Amostra Nua de Autoras, ou A.N.A. Nascido com o
objetivo de divulgar o trabalho de novas compositoras, o coletivo A.N.A.
se lançou com um espetáculo e o disco com o próprio nome. A nossa
música brasileira sempre teve grandes vozes femininas na liderança como
Elis Regina, Gal Costa, Marisa Monte e tantas outras. Porém, quando se
fala de composição, o mundo que nos vem à cabeça é bem mais masculino:
Tom Jobim, Chico Buarque, Djavan e por aí vai. Assim, não deixa de ser
surpreendente uma reunião de oito cantoras e compositoras. Mais
surpreendente, porém, é o resultado e a qualidade do trabalho. O grupo é
formado por Deh Mussulini, Laura Lopes, Luana Aires, Irene Bertachini,
Michelle Andreazzi, Luiza Brina, Leonora Weissmann e Leopoldina. Só
conhecia até então o trabalho de Irene Bertachini, que lançou o ótimo
disco autoral “Irene Preta, Irene Boa” no qual mostra um trabalho maduro
e de ótima qualidade nas composições, além de bela voz. Aliás, no
A.N.A. todas assinam composições e lideram vocais. E falando em vocais,
ponto para os belos arranjos presentes em todo disco.
O trabalho do A.N.A. pode ser conhecido no Soundcloud (https://soundcloud.com/coletivo-ana). No Soundcloud pode-se também garimpar o trabalho solo das oito cantautoras e na Rádio ANA (https://soundcloud.com/coletivo-ana/sets/r-dio-ana)
há várias músicas das integrantes. Além disso, no perfil de cada uma
pode-se explorar o que andam produzindo. Estou ainda pesquisando e
ouvindo com atenção e tem sido uma descoberta mais do que prazerosa. E
se você, leitor ou leitora, quiser descobrir junto, irá concordar que a
música brasileira vai bem, obrigado.
(Publicado no Jornal das Lajes, julho de 2014)
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