Pedras que (ainda) rolam
Ao falar de música sempre há que se pagar um tributo
aos clássicos. Ainda mais quando um clássico volta em edição especial,
que traz um “gostinho” da reunião de dois ícones. Um dos ícones é um dos
maiores guitarristas de rock e blues de todos os tempos: Eric Clapton. O
segundo, e dono desse relançamento, são os Rolling Stones. Nos agitados
anos 60 os Rolling Stones “rivalizavam” com os Beatles, como uma
espécie de anti-Beatles. Enquanto esses, com seus terninhos bem
cortados, ainda tinham uma aura de bons moços, os Rolling Stones eram o
oposto. A imagem da rebeldia e a personificação do espírito do rock.
Essa rivalidade, porém, era mais imagem e rixa de fãs
empedernidos e os membros das bandas eram próximos. Dizem as lendas que
os Beatles teriam dado um empurrão para a assinatura do primeiro
contrato dos Stones com a gravadora Decca. Em um dos maiores erros da
história dos negócios, a Decca ficou famosa como a gravadora que recusou
os Beatles por não acreditar no seu futuro. Um dos Beatles teria
alertado a Decca para não deixar passar outra banda. Saindo do terreno
das lendas para o dos fatos, o segundo compacto dos Stones seria lançado
com a faixa “I wanna be your man” de autoria de....... John Lennon e
Paul McCartney.
O disco do relançamento é “Sticky Fingers”, que acho
um dos melhores dos Stones. Em 1968 a banda havia dispensando um de seus
fundadores, o guitarrista Brian Jones, que sofria com problemas
possivelmente ligados às drogas e ao álcool. Para seu lugar foi
recrutado um jovem guitarrista que havia se destacado na banda de John
Mayall, Mick Taylor. Antes de Mick Taylor entrar, haviam lançado o
excelente disco “Beggar’s Banquet”, prenúncio da ótima fase que viria.
Com a nova formação começavam os que foram, na minha opinião, os
melhores anos dos Rolling Stones em termos de qualidade dos discos. Na sequência viriam “Let it bleed”, “Sticky fingers” e “Exile on Main Street”. Não por acaso “Exile…” recebeu recentemente uma reedição de luxo e agora chega a vez de “Sticky Fingers”.
Lançado em 1971, o disco veio com uma capa inovadora,
de autoria do renomado artista Andy Warhol. A calça retratada na capa
vinha com um zíper de verdade. Provocante e insinuante como só os Stones
sabiam ser. O disco, porém, vai muito além da capa e traz uma sequência
de faixas incríveis, com os Stones em sua melhor forma. As principais
influências da banda estão lá: o blues tradicional de “You gotta move”, o
country de “Dead flowers”, belas baladas como “Wild horses” e o mais
puro rock’n’roll de “Brown sugar” ou “Can’t you hear me knocking”. O
disco fez sucesso instantâneo e alcançou o primeiro lugar na Inglaterra e
Estados Unidos rapidamente. Essa reedição trouxe um segundo disco com
versões alternativas e algumas ao vivo. É curiosa a participação de Eric
Clapton em “Brown Sugar”, tocando um slide (quando se usa uma peça de
metal ou vidro no dedo e a faz deslizar sobre as cordas ao invés de
pressioná-la contra o braço da guitarra). Primeiro, porque Eric Clapton
nunca foi propriamente um especialista desta técnica e segundo porque a
faixa alimenta outra lenda da época, de que Clapton teria sido cogitado
para o lugar de Brian Jones. Se é verdade ou não, é impossível não
pensar como teria sido os Rolling Stones com Clapton na guitarra. Ainda
há uma versão “Super Deluxe”, com um terceiro CD com faixas gravadas ao
vivo em um show em 1971, logo antes do lançamento do disco. Não poderia
faltar a versão em vinil, que voltou a moda com tudo. Essa versão,
porém, veio sem o famoso zíper. Falta de criatividade? Ou seria porque
nos dias de hoje ninguém mais se choca com o que aquele zíper sugere?
Voltando à inevitável comparação entre os Beatles e
os Stones, eu diria que Mick Jagger e Keith Richards nunca fizeram um
disco elaborado e da qualidade de “Abbey Road” ou o “Sergeant Pepper’s
Lonely Hearts Club Band”. Porém, os rapazes de Liverpool não conseguiram
fazer um álbum com tanta energia e que fosse uma injeção de rock na
veia, tal como “Sticky Fingers”. Só mesmo os Stones para criar faixas
tão vibrantes como “Bitch” ou “Brown sugar”. Na dúvida entre os Beatles e
o Stones, não pense: vá com as duas bandas. E não deixem de ouvir
“Sticky Fingers”
(Publicado no Jornal das Lajes, outubro/2015)
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