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Viola para todos os gostos

Fevereiro é quando descobrimos qual é o hit do carnaval que nos vai ser enfiado goela abaixo em doses cavalares. Para quem procura outros sons, vou falar de mais dois bons lançamentos ainda de 2017. Quem me segue sabe o quanto admiro a viola caipira. E motivos não faltam. É um instrumento que tem um timbre único e muitas possibilidades, muito além da música caipira. E para ilustrar essa versatilidade, os dois trabalhos mostram a viola em terrenos distintos: a música caipira tradicional, chamada atualmente de “raiz”, da dupla Índio Cachoeira e Santarém, e o som instrumental de Ricardo Vignini, que coloca a viola e seus ponteados a serviço de estilos como o rock e sonoridades de música celta ou nordestina.

O nome do álbum, “Ponteando Tradições”, de Índio Cachoeira e Santarém, já explica o que vamos ouvir. Música caipira tradicional no melhor estilo de dupla bem entrosada e que desenvolve seus temas apoiados pelos contracantos e solos da viola. Ambos são músicos experientes nesse cenário, já tendo participado de duplas como Cacique e Pajé, no caso de Cachoeira, e com o violeiro Tião do Carro, no caso de Santarém. O repertório é predominantemente autoral e os cantores assinam nove das quinze faixas. As temáticas, por sua vez, remetem aos clássicos de viola: ora a vivência em um idílico ambiente rural, ora o lamento do caipira que foi obrigado a abandonar o campo para sofrer na poluída cidade grande. Não faltam também referências sempre presentes na música caipira como as festas na roça, as populares e as religiosas como a folia de reis e a dança de São Gonçalo.

E há também uma peça instrumental, “Lamento Latino”, de Índio Cachoeira. Sou grande admirador do seu trabalho e do seu virtuosismo como instrumentista. Autodidata e luthier que fabrica os próprios instrumentos, Cachoeira carrega toda uma tradição de grandes violeiros e é dono de uma técnica singular e impecável. Recomendo muito ouvir seus dois discos de solos de viola caipira. Enfim, “Ponteando Tradições” é um disco que precisa ser ouvido por quem gosta da música caipira tradicional e por violeiros que querem estudar os ritmos como o pagode de viola, cururu e as modas.

Ricardo Vignini tem uma história bem diferente. É um roqueiro de origem, mas que em determinado momento encontrou e abraçou a viola. Aí fica a dúvida se ele trouxe a viola para o rock ou o rock para a viola. Ele vem fazendo há um bom tempo com o violeiro Zé Helder a dupla Moda de Rock, onde interpretam clássicos do rock com duas violas caipiras e sobre o qual já escrevi. É um autêntico trabalho de fusão de estilos por valorizar nos arranjos os ritmos típicos de viola. Em seu último trabalho, o disco “Rebento”, ele mostra o devido respeito à linguagem caipira, mas sem se prender a estilos e sempre deixando claro a sua veia roqueira. Seja em músicas onde o rock seja a tônica, como em “Beijando o Céu”, onde faz uma homenagem nada disfarçada a Jimi Hendrix, ou nos seus solos e ponteios em músicas que remetem à música caipira como “O Bonde dos Fontes”.

O disco conta com participações especiais que deram um colorido muito legal, como a gaita de Sérgio Duarte e a percussão do veteraníssimo Marcos Suzano, ambas na faixa “Pé Vermelho”, além da criativa percussão de André Rass, parceiro de Vignini em seu outro projeto, a banda “Matuto Moderno”. Merece nota também o belíssimo piano de Ari Borger em “Ventos de Novembro”, mostrando que a viola conversa bem com outros instrumentos harmônicos. Vignini com seu disco confirma que a viola caipira não só está passando por um renascimento e um crescimento sem precedentes, mas também que sua sonoridade permite navegar em mares que passam longe da música caipira, sem limite de rótulos ou ortodoxias de estilos.

E assim a viola segue expandindo limites e nos encantando com sua sonoridade. Seja no trabalho tradicional de Índio Cachoeira e Santarém, ou na renovação promovida por Ricardo Vignini, a certeza é que esse instrumento vai continuar nos surpreendendo.

(Publicado no Jornal das Lajes, fevereiro/2018)

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