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Cheio de dedos

Na coluna de estreia falei da necessidade de abrir espaço para a música nova, mas não posso fazer isso antes de escrever sobre um artista que considero um dos mais geniais da geração pós Chico Buarque, Caetano e companhia, e que nunca teve o devido reconhecimento do grande público e mídia: o Guinga. Não que Guinga seja um total desconhecido ou um injustiçado, porém, a sua fama sempre ficou restrita a uma crítica especializada ou pessoas realmente fãs de MPB.

Guinga não é um artista novo e despontou para a música muito cedo. Com apenas 17 anos – e ainda assinando com seu nome, Carlos Althier – classificou uma música para o II Festival Internacional da Canção da Globo em 1967, a mesma edição que revelou Milton Nascimento com "Travessia". Depois disso, continuou seu trabalho de compositor e violonista, tendo várias músicas gravadas por artistas consagrados como Chico Buarque, Elis Regina, Ivan Lins, Leila Pinheiro e outros. Também acompanhou em palco ou estúdio nomes como Cartola, Beth Carvalho e Clara Nunes. Porém, demorou a se dedicar integralmente à música, dividindo seu tempo com a profissão de dentista. Apenas há poucos anos deixou de lado as brocas e o consultório. Junte-se a isso o fato de, nos primeiros anos de carreira, evitar o palco para apresentar o próprio trabalho - nem mesmo em bares ou pequenas casas - e talvez se consiga explicar o porquê de Guinga nunca ter tido a exposição merecida.

A relação com o palco é de fato curiosa. Apesar de anos dedicados à música e de ser reconhecido – e disputado – no meio artístico pela qualidade das suas composições, Guinga só subiu ao palco para um show seu em 1989, quando já tinha mais de 20 anos de dedicação à arte. E, diga-se de passagem, o show só aconteceu porque foi organizado e promovido por amigos músicos que consideravam um absurdo o artista nunca ter tido a devida proeminência. A partir daí, Guinga começou a gravar o próprio trabalho e lançou alguns discos impressionantes. Carioca da gema, o samba é sua língua materna, mas transita com elegância por outros estilos como o baião e bolero. Guinga trouxe para a MPB uma sofisticação na melodia e harmonia que, em minha opinião, não se via desde Tom Jobim. Além disso, Guinga é um violonista virtuoso e faz justiça ao título do seu álbum de 1996, "Cheio de Dedos", que escolhi pra título desta coluna.

Tive a felicidade de ver Guinga ao vivo em duas oportunidades e suas apresentações são verdadeiras declarações de amor à música e ao violão. Além disso, é impressionante a emoção que ele transmite ao público, seja cantando ou executando seus belos temas instrumentais. Compositor brilhante, instrumentista virtuoso e grande intérprete: receita de satisfação para quem ouve. Com boa parte dos seus álbuns ainda disponíveis, seja no bom e velho CD ou para download no iTunes, fica o convite para conhecer aquele que eu considero um dos maiores compositores da MPB. Além disso, há vários vídeos no Youtube onde se pode vê-lo executando suas músicas. E pra quem já conhece, vale sempre rever o trabalho genial desse grande artista.

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