Partidas precoces

Após escrever nas últimas edições sobre coisas novas, é hora de revisitar os clássicos. Afinal, nossas vitrolas não conseguem ficar sem eles. Aliás, muitas vezes somos saudosistas em excesso e esquecemos o novo. Certos artistas, porém, se tornam clássicos por bons motivos e nada como o teste do tempo para separar o que é realmente bom das modas passageiras. Dessa vez gostaria de escrever sobre dois grandes guitarristas que se foram muito jovens, mas cujas obras venceram a barreira do tempo: Duane Allman e Stevie Ray Vaughan (SRV). Dois talentos incríveis que infelizmente não puderam produzir mais, pois se encantaram muito novos.

Duane Allman foi um guitarrista que despontou muito jovem e logo se tornou um requisitado músico de estúdio. Em 1969, com apenas 23 anos, Duane e seu irmão Gregg formaram o grupo Allman Brothers Band e lançaram o primeiro disco, “The Allman Brothers Band”. Em seguida veio “Idlewild South” e o reconhecimento com o grande sucesso comercial do grupo, o disco “At Fillmore East”, gravado ao vivo na lendária casa de shows nova-iorquina. Pouco depois desse disco Duane viria a falecer em um acidente de moto, com apenas 24 anos. Pouco tempo, mas o suficiente para conquistar vários admiradores com sua guitarra blues. Entre eles ninguém menos que Eric Clapton, que o convidou para dividir as guitarras no histórico álbum “Layla and Assorted Love Songs”, um dos melhores discos de rock-blues de todos os tempos. A banda Allman Brothers merece grande crédito por ser uma das precursoras do estilo conhecido como o “Southern Rock” – o rock sulista – que mistura o rock com o country (aliás, os irmãos Allman são de Nashville, capital da música country). A Allman Brothers ainda acrescentava grandes doses de blues. Os três discos da Allman Brothers com Duane e “Layla” são audições obrigatórias para os fãs de rock e blues e a guitarra de Duane com certeza fez por merecer seu lugar no panteão do rock.

Stevie Ray Vaughan também se foi jovem, com apenas 36 anos e um histórico de apenas 6 discos (dois póstumos), sendo um com o irmão Jimmy Vaughan e os demais com sua banda, a “Double Trouble”. Após passar por diversas bandas, obteve reconhecimento com o Double Trouble que, após conquistarem um certo sucesso no Texas, foram convidados para participar do famoso festival de jazz de Montreaux em 1982 em uma noite dedicada ao blues. A apresentação chocou parte da plateia que, acostumada com o jazz e suas sutilezas, levou uma pancada da sua guitarra enérgica e algumas vaias vieram. O festival, porém, rendeu contatos para SRV e a oportunidade de lançar o seu primeiro álbum, “Texas Flood”, de 1983. A partir daí SRV ganharia notoriedade rapidamente ao resgatar nos anos 1980 o blues. Por isso é reconhecido como um dos responsáveis pelo renascimento do estilo que se deu naquela década. Stevie conseguia conjugar uma voz na medida com uma técnica de guitarra impecável. Sua guitarra carrega uma sonoridade crua e traz para o blues a força do rock. Em 1990 foi vítima de um acidente de helicóptero após um show. De legado deixou excelentes discos dos quais destaco “Texas Flood” e “In Step”. Excelente pedida pra ouvir um blues potente e com uma guitarra incendiária.

Faltou falar de um que também se foi jovem, pouco antes de completar 28 anos. Talvez o maior de todos os tempos e, com certeza, a maior personificação da guitarra rock: Jimi Hendrix. Hendrix, porém, merece o espaço desta coluna inteiro só pra ele. Em comum, todos têm a guitarra como elemento vital, quase uma extensão do corpo e através dela deixaram suas marcas em uma passagem breve por esse plano de vida. As marcas mais notáveis, aliás, ficaram nos sulcos dos LPs que nos encantam até hoje. Fica sempre a dúvida de como seria se não tivessem partido tão jovens. O que estariam produzindo? Continuariam fiéis ao blues ou se renderiam a algo mais pop para tocarem nas rádios e na grande mídia? Bem, para as lendas essas questões mundanas são de certa forma irrelevantes.

(Publicado no Jornal das Lajes, agosto/2014)

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