Viola caipira: o som do Brasil

Inúmeros formatos e tipos, uma infinidade de afinações e estilos que mudam a cada região: talvez a viola caipira seja o instrumento que melhor ilustra a diversidade cultural de nosso país. O instrumento veio de Portugal, herança da tradição da península Ibérica de se construir e tocar instrumentos de corda como o seu “primo” mais novo, o violão. Encontrou lar nesse nosso país e por aqui se espalhou, literalmente, de norte a sul. Por nossas dimensões continentais e dificuldades de se vencer grandes distâncias, a viola desenvolveu-se de forma diferente país afora em termos de estilos, afinações e ritmos. Cinturada, de cabaça, de coxo, a rara de doze cordas, cordas de metal ou de tripa de animais: apenas alguns exemplos da variedade de construção e tipos de viola. Além disso, também é tocada nas mais diversas afinações, que possuem nomes curiosos como Cebolão, Rio Abaixo, Paulistinha ou Cana Verde.

A viola tem suas tradições e lendas e até um santo padroeiro dos violeiros: São Gonçalo de Amarante, que tocava a sua viola nas festas aos sábados. De tão cansadas de dançar por toda a noite, as moças não pecavam no domingo e se dedicavam à missa. Mais notável, porém, é a vida dupla da viola que transita entre os terrenos do sagrado e do profano. Instrumento típico de festejos religiosos como a Folia de Reis, ao mesmo tempo a viola é quem agitava as festas profanas e os bailes onde o sertanejo se entregava às tentações nos braços da amada. E para desenvolver sua técnica a lenda diz que o violeiro ainda pode recorrer a um pacto com o Sem Nome, o Coisa Ruim. E uma última técnica misteriosa: pra melhorar o som do instrumento coloca-se dentro do corpo um guizo de cascavel. Várias histórias que acrescentam charme ao fascinante mundo da viola caipira.

A popularização da viola talvez tenha tido no grande Tião Carreiro, um dos seus maiores embaixadores, que levou para a indústria fonográfica um toque criativo e virtuoso com o sotaque forte do interior. A partir daí, vários outros violeiros ajudaram a difundir o instrumento, como o Almir Sater, que levou a viola para a novela no horário nobre. Cada vez mais se abrem possibilidades para o instrumento e grandes músicos exploram o som incrível que esse pequeno instrumento consegue produzir. Violeiros como Ivan Vilela, Roberto Corrêa e Tavinho Moura seguem provando que a viola pode ser um instrumento solista, com direito a ser tratado por erudito como o seu "primo" violão. Também grandes solistas, porém com um pé mais fincado na tradição sertaneja, podemos citar os virtuosos Levi Ramiro, Paulo Freire e Índio Cachoeira. Nas nossas Minas temos os exemplos de Wilson Dias, Pereira da Viola e Chico Lobo, grandes instrumentistas e que também fazem da viola a companheira de belas canções. Por fim, a dupla Ricardo Vignini e Zé Helder tem levado a viola para o terreno do rock, seja com o seu trabalho em duo, o Moda de Rock, onde releem clássicos do estilo arranjados com ritmos tradicionais de viola, seja com o Matuto Moderno, que definitivamente coloca a viola em um grupo de pegada roqueira, com direito a solos distorcidos.

É um tanto difícil fazer uma lista de violeiros nesse curto espaço sem cometer injustiças e omissões. É um universo tão fascinante quanto grande e cada vez mais se veem músicos novos se dedicando a esse instrumento que, como mostrei acima, sintetiza a riqueza cultural do nosso país e resgata tradições centenárias. Para abrir mais espaço para compartilhar dicas e os trabalhos de novos artistas e clássicos, estou criando no Facebook a página Trilha Sonora para postar sugestões e artigos ligados à música. E convido o leitor para também usar o espaço para dividir boas dicas com todos. Aguardo suas visitas e curtidas no endereço https://www.facebook.com/TrilhaSonoraBR

(Publicado no Jornal das Lajes, setembro/2014)

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