A nata
No final de outubro último, o grande baixista, cantor e compositor Jack Bruce encantou-se aos 71 anos. Bruce foi um dos baixistas que mais marcou e influenciou o rock e não posso me furtar de prestar uma pequena homenagem a esse músico e ao legendário trio que consagrou não só ele, mas também o guitarrista Eric Clapton e o baterista Ginger Baker: o The Cream.
Em meados dos anos 1960, quando Londres fervia de novidades musicais e o rock inglês dominava o mundo, os três músicos já eram reconhecidos no meio artístico, mas ainda não desfrutavam de grande sucesso comercial. Eric Clapton havia passado por um grupo que começava a despontar, os Yardbirds, porém, achava que estavam tomando um caminho excessivamente comercial e saiu do grupo em 1965. Naquele momento Clapton estava totalmente devotado ao blues e foi para uma das bandas que ajudava a difundir o estilo na Inglaterra, a John Mayall & The Bluesbrakers. Eric Clapton começou a ser reconhecido como grande guitarrista e nesse período apareceram nos muros de Londres a famosa inscrição “Clapton is God” (Clapton é Deus).
Jack Bruce já havia tocado em diversos grupos de blues e jazz e tocou com Clapton por um breve período nos Bluesbrakers. Antes, Bruce foi companheiro de Ginger Baker em alguns grupos conhecidos na cena inglesa. Curiosamente, já era conhecida a rivalidade entre os dois e havia várias histórias de brigas, inclusive agressões em pleno palco. Apesar desse potencial para problemas – que de fato determinou o fim do grupo – Bruce e Baker convidaram Clapton e o convenceram a formar o The Cream, com uma proposta de ser um grupo de rock e blues, porém, com uma pegada de peso para os padrões da época em termos de distorções e da base rítmica densa. O nome, que significa “A Nata”, é uma alusão nada modesta ao virtuosismo dos três músicos, que sabiam do que eram capazes.
O grupo estreou em 1966 com o álbum “Fresh Cream”. Logo chamaram atenção por vários motivos: o já citado virtuosismo dos músicos, que se entregavam a longos improvisos em suas apresentações, o peso das bases e das distorções em suas composições ou releituras de clássicos do blues e, finalmente, o fato de ser um trio, formação pouco usual no rock naqueles tempos. Com somente três músicos em cena é preciso muita competência e entrosamento para se preencher os espaços, especialmente ao vivo, o que não foi problema para os três. Eric Clapton é até hoje conhecido como um dos maiores guitarristas de rock e blues e teve uma carreira de sucesso. Baker e Bruce não se tornaram tão conhecidos do grande público, mas são constantemente lembrados por músicos e fãs como uns dos maiores instrumentistas do rock. Jack Bruce é, em minha opinião, um dos baixistas mais importantes do estilo, pois, junto com Paul McCartney, ajudou a dar voz própria ao contrabaixo, instrumento até então mais usado para marcar harmonia e ritmo. É impressionante como o baixo de Bruce complementa e dialoga com a guitarra de Clapton.
O Cream viria a gravar em estúdio somente mais três álbuns: “Disraeli Gears”, “Wheels of Fire” e “Goodbye”. Recomendo particularmente “Disraeli Gears”, um disco inspirado, e “Wheels of Fire”, que contém algumas faixas ao vivo onde se tem a noção da força do grupo. Apenas quatro anos após a formação, o grupo sucumbiu aos problemas internos e brigas entre Bruce e Baker. Tiveram um breve retorno para alguns shows em Nova Iorque e Londres em 2005, que resultaram na gravação de um ótimo CD e DVD. O tempo e problemas de saúde não foram suficientes para superar a grandeza desses artistas.
Foi uma curta duração, mas o suficiente para marcar o rock. O peso das suas músicas com certeza abriu o caminho para o Hard Rock e Heavy Metal. Além disso, o formato em trio inspirou até o mesmo Jimi Hendrix, que logo depois fundou o seu, o Experience. E essa é uma das belezas da música: tempo e longevidade não são necessariamente documento. Competência e originalidade são o que fazem uma banda entrar para a história.
(Texto publicado no Jornal das Lajes, novembro/2014)
Comentários
Postar um comentário