Leituras musicais


Como aficionado por música, fico muito feliz por ver aumentar a oferta de títulos dedicados a essa arte nas prateleiras de livrarias e bancas. De biografias a temas específicos, é muito bom ver trabalhos frutos de pesquisa meticulosa trazendo histórias e curiosidades sobre passagens interessantes da vida de artistas e seus álbuns clássicos. Recentemente li dois ótimos títulos sobre períodos interessantes da música, um sobre a música brasileira e outro sobre o rock, e gostaria de compartilhar com quem gosta do assunto.

O primeiro é “Pavões Misteriosos” do jornalista André Barcinski e que trata da música brasileira entre 1974 e 1983 e que ele próprio já define no subtítulo como o tempo da “explosão da música pop no Brasil”. O autor explica que escolheu o período por achar que a bibliografia sobre a época é escassa e que muito se escreveu sobre os anos anteriores, quando do nascimento da Bossa Nova e os grandes festivais, e os anos seguintes a 1983, tempos de outro grande movimento: o rock de Legião Urbana, Paralamas e companhia. O livro prima por dois pontos que valem a sua leitura. Primeiro, por mostrar que o período foi musicalmente relevante, com grandes trabalhos produzidos por artistas como Raul Seixas e os “Secos & Molhados” de Ney Matogrosso. Segundo, por mostrar uma fase de transição da música brasileira para tempos mais profissionais e de busca de grandes sucessos – e de faturamento.

Muito se questiona hoje a orientação das gravadoras de se promover somente trabalhos de retorno financeiro imediato em detrimento da qualidade e o livro mostra onde isso começou. Fica claro o momento no qual a direção das gravadoras foi tomada por executivos trabalhando mais guiados pelos planos de marketing do que pelo conteúdo artístico. Ou como as gigantes do entretenimento mundial invadiram o mercado brasileiro que explodia em vendas a reboque do milagre econômico dos anos 70. Por fim, o livro ainda conta passagens divertidas como a febre dos “falsos gringos”, os brasileiros que cantavam em inglês como se fossem estrangeiros. Lista que inclui desde Morris Albert, que veio a ter uma carreira internacional de sucesso, e até Fabio Júnior que chegou a se apresentar como Mark Davis. Curiosas também são histórias do surgimento de fenômenos de vendas como Sidney Magal, Gretchen e Xuxa.

O segundo livro é “O Som da Revolução” do pesquisador e jornalista Rodrigo Merheb e o tema é o bom e velho rock. O que torna o livro interessante é que ele focou em um período crucial e de grandes transformações: os prolíficos anos de 1965 a 1969. Quatro anos parece pouco, mas é impressionante o que se mudou nesses anos. Em 1965 os Beatles lançaram “Help”, um álbum de transição que reúne músicas inocentes como “You like me too much” e outras bem mais maduras como “Yesterday”. Apenas dois anos depois eles estavam lançando o mítico “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” e revolucionando o rock. O autor demarca simbolicamente os anos com dois eventos que marcaram o rock: o Newport Folk Festival de 1965, quando Bob Dylan chocou fãs do estilo Folk ao empunhar uma guitarra elétrica, e o show dos Rolling Stones no autódromo Altmont em 1969, que terminou com o assassinato de um espectador pelos famigerados Hell’s Angels, que faziam a segurança do show. O primeiro evento representa o amadurecimento do rock. O segundo seria o fim do sonho e da inocência. E falando em inocência, em sua pesquisa primorosa Merheb retrata sem tintas coloridas o “verão do amor” de San Francisco de 67, quando a cidade foi invadida pelos hippies. O livro retrata um lado diferente da paz e do amor, como os problemas de saúde pública causados pelas internações ligadas às drogas. No fim do livro o autor lista todos os artistas e álbuns mencionados ao longo dos capítulos, o que é uma fonte preciosa e divertida para pesquisa.

Duas leituras e tanto pra quem gosta de música. E mais do que ler, o melhor é ouvir os grandes artistas e discos sabendo um pouco mais de suas histórias.


Aproveito para agradecer à minha tia Mercês que me presenteou com os dois ótimos livros.


(Publicado no Jornal das Lajes, maio/2015)

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